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    'Pinochet africano', ex-ditador do Chade é sentenciado à prisão perpétua

    LUISA PESSOA
    DE SÃO PAULO

    30/05/2016 09h26 - Atualizado às 17h57

    Carley Petesch/Associated Press
    Hissene Habré, ex-ditador do Chade, levanta o braço durante audiência que o declarou culpado no Senegal
    Hissene Habré, ex-ditador do Chade, levanta o braço em tribunal que o declarou culpado no Senegal

    O ex-ditador do Chade Hissène Habré foi sentenciado à prisão perpétua nesta segunda (30) pelas Câmaras Africanas Especiais, tribunal do Senegal montado pela União Africana como uma versão local do Tribunal Penal Internacional.

    Habré era acusado de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e tortura. Entre 1982 e 1990, enquanto esteva no poder, Habré ordenou a morte de mais de 40 mil pessoas, deixando cerca de 30 mil órfãos e viúvas, segundo números calculados por uma comissão investigativa do governo do Chade. Desde sua deposição, o ex-ditador vive no Senegal.

    Habré ficou conhecido como o "Pinochet africano" quando, em janeiro de 2000, inspirados pela prisão em solo britânico do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, um grupo de chadianos apresentou queixas contra Habré no Senegal.

    Joel Robine - 16.ago.1983/AFP
    Foto de agosto de 1983 mostra o ex-ditador do Chade Hissen Habré, condenado à prisão perpétua
    Foto de agosto de 1983 mostra o ex-ditador do Chade Hissen Habré, condenado à prisão perpétua

    A Justiça senegalense chegou a indiciar Habré na ocasião. No entanto, devido à interferência política do então presidente Abdoulaye Wade, o caso não foi adiante. Com a saída de Wade do cargo e a chegada de Macky Sall à Presidência, em 2012, o Senegal voltou a colaborar para que Habré fosse processado.

    INVESTIGAÇÃO E JULGAMENTO

    Em maio de 2013, Senegal e Chade assinaram um acordo de cooperação judicial que facilitou a investigação dos crimes cometidos pelo governo Habré. Em quatro missões ao Chade, juízes coletaram documentos e mais de 2.500 testemunhos, de vítimas diretas e indiretas, sobre os crimes do ex-ditador.

    O julgamento teve início em julho de 2015 e terminou em fevereiro de 2016, após ouvir mais de 93 testemunhas. Segundo a ONG Human Rights Watch (HRW), trata-se "do primeiro julgamento no mundo em que o tribunal de um país processa o ex-líder de outro por violações dos direitos humanos".

    twitter

    Pelo Twitter, Reed Brody, porta-voz da HRW, disse que a decisão representa "uma imensa vitória para as vítimas chadianas". "Essa condenação envia uma mensagem muito forte: chegou ao fim a época em que os tiranos podiam brutalizar seu povo, pilhar as riquezas do seu país e depois fugir para aproveitar uma vida de luxo no estrangeiro. Este dia ficará marcado na história como aquele em que sobreviventes conseguiram a condenação de seu ex-ditador."

    "O veredito de hoje é uma imensa e maravilhosa vitória para as vítimas de Habré, que lutaram por mais de 25 anos para conseguir justiça. O julgamento deixa um precedente. É um aviso aos tiranos e criminosos de guerra da África e de todo o mundo. Mesmo se eles fugirem de seus países após cometer atrocidades, suas vítimas irão atrás deles, e eles não escaparão da justiça", disse à Folha Olivier Bercault, professor da Universidade de San Francisco (Califórnia, EUA) e um dos autores de um relatório da HRW sobre os crimes cometidos pelo governo Habré.

    Segundo Bercault, o ex-ditador ainda poderá apelar da decisão, mas sua idade não é um impeditivo para que ele cumpra a pena (Hissène Habré tem hoje 73 anos). "Ele não é tão velho, e sua saúde é boa", disse.

    Além disso, de acordo com Bercault, o caráter híbrido das Câmaras Africanas Especiais, de escopo tanto doméstico quanto internacional, permite replicar o formato para outros casos. "Já existem organizações em todo mundo que, inspiradas por esse precedente, trabalham para levar outros tiranos a tribunais similares", afirma.

    Habré governou o Chade entre 1982 e 1990, quando foi deposto por Idriss Déby, que chegou ao poder à frente de uma rebelião armada e ainda hoje se mantém como presidente. Déby, no entanto, foi comandante de forças de Habré durante o período conhecido como "Setembro Negro", em 1984, quando houve uma onda de assassinatos no sul do país, que se rebelava contra o governo central.

    Habré chegou e se manteve por anos no poder com a ajuda dos governos dos Estados Unidos e da França, que o viam como uma força regional para conter objetivos expansionistas do ditador líbio Muammar Gaddafi.

    O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, disse por meio de comunicado que o veredito contra Habré é um "marco na luta global contra a impunidade". Além disso, fez alusão ao antigo apoio americano ao ditador. "Como um país comprometido com os direitos humanos e a busca pela justiça, esta também é uma oportunidade para que os Estados Unidos reflitam, e aprendam, sobre nossa conexão com eventos passados no Chade."

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