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    Análise

    Paz para a Venezuela

    CELSO AMORIM
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    01/06/2016 18h02

    A situação na Venezuela, segundo todos os observadores, chegou a um ponto crítico. É quase consenso que não podemos deixar aquele país irmão afundar-se em um conflito civil de consequências inimagináveis.

    Há movimentos diversos, como o do secretário-geral da OEA, que invoca a Carta Democrática, cujo resultado final pode ser a tentativa de suspender o atual governo da entidade.

    Atitudes semelhantes ocorrem mais perto de nós, com o pedido paraguaio de que o assunto seja tratado no Conselho do Mercosul, na expectativa de afastar, ainda que temporariamente, o regime chavista do convívio do grupo. Em ambas as hipóteses, a perspectiva de uma mudança de regime paira no horizonte.

    Ronaldo Schemidt/AFP
    Partidários do presidente Nicolás Maduro participam de protesto contra a OEA em Caracas
    Partidários do presidente Nicolás Maduro participam de protesto contra a OEA em Caracas

    Pessoalmente, não creio que soluções baseadas em sanções possam resolver o dilema venezuelano. Não se trata lá de um golpe de Estado, como o de Honduras, em que os ocupantes ilegítimos do poder devessem abandoná-lo, como precondição para a reconciliação nacional.

    Maduro é um presidente eleito, ainda que por estreita margem, em pleito cuja correção não foi seriamente questionada. Apesar das dificuldades imensas, boa parte do povo venezuelano continua a ver nos herdeiros de Chávez autênticos defensores dos interesses dos mais pobres.

    O isolamento de Caracas, como propugnado, implícita ou explicitamente pelas iniciativas mencionadas, somente contribuirá para a radicalização ainda maior da situação, com o aumento do sofrimento da população.

    Nesse contexto, não é inútil olhar para a História recente, quando, depois da frustrada tentativa de golpe da direita, com apoio (não negado) de forças externas, o Brasil liderou a criação do Grupo de Amigos da Venezuela.

    Isso ocorreu em reuniões —uma delas com a presença de presidentes e do secretário-geral da OEA, além de vários ministros e altos funcionários— que ocorreram à margem da cerimônia de posse do presidente Lucio Gutiérrez, do Equador, em 15 de janeiro de 2003.

    Na época, os delegados norte-americanos, entre os quais Regis Noriega e John Maisto, se mostraram céticos, pois preferiam antecipar eleições ou realizar um plebiscito imediato, na certeza de que Chávez sairia derrotado.

    Mas, com Washington voltada para o Iraque, acabaram aceitando a proposta brasileira, que incluía no grupo países cujos governos eram de diferentes tendências políticas (Chile, México, Espanha, Portugal, Brasil e os próprios Estados Unidos).

    Nosso raciocínio, que inicialmente não agradou ao próprio Chávez (e menos ainda a Fidel Castro, que, em encontro na madrugada, tentou em vão dissuadir Lula da ideia), era ter interlocutores capazes de conversar com os dois lados.

    Para encurtar a história, o Grupo de Amigos foi estabelecido e, com esforço de persuasão, sobretudo, de parte do Brasil, Chávez acabou concordando não só em aceitar a convocação do referendo revocatório (cuja possibilidade está prevista na Constituição venezuelana) mas até em que este se realizasse sob a supervisão de observadores da OEA.

    O grande drama é que, diferentemente de 2003, não há hoje lideranças que inspirem a confiança necessária para conduzir um processo de diálogo.

    A OEA sempre será vista com suspeita pelo regime como um instrumento de dominação norte-americana, por melhores que sejam as credenciais do secretário Almagro.

    A invocação da Carta Democrática é uma receita para o enrijecimento ainda maior do governo e o consequente aprofundamento do impasse.

    Maduro já fala em rebelião e conta aparentemente com o apoio das Forças Armadas e de parte substancial do povo venezuelano. Um conflito sangrento, que ninguém deseja, não é de descartar-se.

    Um movimento liderado por Buenos Aires e Brasília, como se sugeriu, também teria, a meu ver, escassas possibilidades de êxito, dada a percepção (certa ou errada; mas, na minha opinião, correta) de que ambas teriam simpatias pela oposição.

    Melhor seria confiar na Unasul e em seu secretário-geral, o colombiano Ernesto Samper, que poderia recorrer ao apoio de países e/ou personalidades com potencial de interlocução com o governo e com a oposição.

    Países como Chile e Uruguai e outros de diferentes matizes políticos, deveriam estar envolvidos. Evidentemente, países de grande peso econômico, como Brasil, Argentina e Colômbia, teriam de apoiar o chefe da Unasul.

    Neste momento, a paz entre venezuelanos deve estar acima de qualquer outra consideração e, para isso, necessita-se urgentemente de mediadores que não apenas sejam isentos mas pareçam isentos.

    O diálogo —e não sanções de qualquer tipo— é que pode salvar a Venezuela da catástrofe.

    CELSO AMORIM, diplomata de carreira, foi ministro das Relações Exteriores (governos Itamar e Lula) e da Defesa (governo Dilma)

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