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    Peruanas temem recuo de direitos da mulher com Keiko ou Kuczynski

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A LIMA

    03/06/2016 02h00

    Após conquistarem avanços em várias frentes nos últimos anos, as organizações de defesa da mulher no Peru temem a eleição deste domingo (5). Nenhum dos dois candidatos têm as políticas de gênero como prioridade.

    A principal vitória recente foi a aprovação da lei contra o assédio de rua, em 2015.

    Guadalupe Pardo - 31.mar.2016/REUTERS
    Feministas protestam contra a abertura do caso das esterilizações da ditadura de Fujimori no Peru
    Feministas protestam contra a abertura do caso das esterilizações da ditadura de Fujimori no Peru

    Iniciativa de um grupo de deputadas que obteve apoio do presidente Ollanta Humala, a lei, já em vigor, penaliza com entre 3 e 12 anos de prisão "conduta física ou verbal de natureza sexual contra mulheres em espaços abertos". Estão incluídos de comentários a toques e exibição de partes íntimas.

    Uma caminhada pelo centro de Lima mostra que o panorama mudou um pouco, mas não por completo. Há cartazes de propaganda, e os policiais dizem ter recebido treinamento para agir em caso de denúncia.

    "Mas muitas vezes o caso morre antes da denúncia formal, pois levamos a garota a um delegado que a intimida, pergunta por que ela se veste daquele jeito, e ela desiste da queixa com medo de alarmar a família, o namorado", disse à Folha uma policial que não quis ser identificado.

    A campanha mais exitosa sobre assédio é da ex-jogadora e técnica da seleção peruana de vôlei, Natália Málaga.

    Trata-se de um vídeo em que mães são disfarçadas de mulheres jovens e passam perto de seus filhos nas ruas, que assobiam ou soltam cantadas grosseiras até descobrirem a quem estão humilhando.

    Assobie para a sua mãe

    "Este é único jeito de fazer homens sem cultura nem educação entenderem que é errado assediar mulheres: mostrar que alguém pode fazer isso com a mãe, a irmã ou a filha deles", contou Málaga à Folha, em entrevista durante um treino, em Lima.

    Como a treinadora é muito famosa, o caso ganhou projeção e o vídeo viralizou.

    "O Peru é um país desigual, com muita pobreza, e muito machista. Quantas vezes não vemos mães educando filhas para se comportarem e se vestirem de modo recatado, e nada se diz para os garotos? Enquanto for assim, não muda nada. A lei fica no papel, e a vida segue como sempre."

    ABORTO

    No primeiro turno da eleição, a candidata socialista Verónika Mendoza foi alvo de crítica da Igreja Católica por defender o direito ao aborto. Religiosos orientaram fiéis a não votar nela nem no outro candidato de esquerda, Alfredo Barnechea, que também propunha despenalizar a prática. Mendoza rejeitou a intervenção política da igreja.

    "Somos um país desesperadamente conservador, dói pensar que o resto da América Latina avança no assunto, ainda que lentamente, e o Peru, não", disse à Folha o escritor Santiago Roncagliolo.

    O aborto só é permitido no Peru em caso de risco de morte da mãe. Um projeto para liberá-lo em caso de estupro foi derrotado no Congresso. "Não podíamos aprovar o 'aborto a la carte' como queriam os proponentes, é preciso preservar a vida do concebido", disse a deputada fujimorista Martha Chávez.

    A candidata que lidera as pesquisas, Keiko Fujimori, se diz contra o direito ao aborto e se opõe a alterações na atual legislação. Já seu rival, Pedro Pablo Kuczynski, considera necessário incluir, ao menos, o aborto em caso de estupro, mas manteria vetado o livre acesso à prática.

    O que tem feito vários grupos feministas irem às ruas em passeatas é a reabertura do processo contra as esterilizações sob o fujimorismo.

    Dentro de um projeto de planejamento familiar, Alberto Fujimori (1990-2000) implementou uma política de operações de ligadura de trompas e vasectomias, praticadas sem o conhecimento dos operados, sobretudo nas regiões mais pobres do Peru. Estima-se que 250 mil mulheres tenham sido esterilizadas.

    Um grupo de vítimas reuniu provas que apontam a existência de metas de esterilização e abriu um processo. A defesa diz que as mulheres eram questionadas se queriam se submeter ao procedimento, mas elas negam.

    Keiko, que ignorou a questão na eleição de 2011, desta vez admitiu que "alguns casos, com os quais me solidarizo, podem ter ocorrido e devem ser investigados".

    Ela nega, porém, uma política sistemática do governo do pai, que cumpre 25 anos de prisão por abusos de direitos humanos e corrupção.

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