• Mundo

    Wednesday, 01-May-2024 07:33:06 -03

    Com medo de retaliação, jornalista que denunciou Evo Morales vem ao Brasil

    ISABEL FLECK
    DE SÃO PAULO

    03/06/2016 17h49

    Responsável por revelar, em fevereiro, o caso do suposto filho do presidente Evo Morales com sua ex-namorada Gabriela Zapata como prova da ligação entre os dois e de um possível crime de tráfico de influência, o jornalista Carlos Valverde deixou a Bolívia temporariamente por medo de retaliação do governo.

    Nas últimas duas semanas, Valverde, 59, passou pela Argentina e chegou, na quinta-feira (2), a São Paulo, onde passará dois dias conversando com jornalistas brasileiros. Diz que não pensa em pedir asilo em nenhum dos dois países e que quer voltar o quanto antes a seu país, onde deixou a mulher e três filhos, apesar do medo de ser detido, como foi feito recentemente com o ex-advogado de Gabriela.

    Bruno Santos/Folhapress
    O jornalista boliviano Carlos Valverde conversa com a reportagem durante sua passagem por São Paulo
    O jornalista boliviano Carlos Valverde conversa com a reportagem durante sua passagem por São Paulo

    "Eu, por mim, não saía, mas alguns colegas me disseram que eu tinha que sair", afirmou Valverde à Folha. O jornalista disse não ter sofrido nenhuma ameaça direta, mas "sugestões" por parte de integrantes do governo.

    "Há sugestões, elementos. As pressões de Juan Ramón Quintana [ministro da Presidência], por exemplo, ele tem feito um ataque permanente", afirmou.

    Dentre outras declarações públicas sobre o jornalista, Quintana acusou, em pronunciamento pela televisão, Valverde de ser "um desses agentes secretos" da CIA (agência de inteligência americana) e fazer parte de um complô americano para prejudicar Evo.

    FILHO

    No começo de fevereiro, Valverde revelou em seu programa "Todo por Hoy", que é transmitido pelo canal de TV paga Activa TV, a existência de uma certidão de nascimento, de 2007, de um filho de Evo com Gabriela Zapata.

    A notícia foi dada quando o jornalista descobriu que a ex-namorada e mãe de um suposto filho do presidente era gerente de comercialização da empresa chinesa CAMC, que ganhou diversas licitações do governo boliviano.

    Desde então, o debate público se concentrou mais na revelação sobre o filho, que teria hoje nove anos, do que na acusação de tráfico de influência.

    O escândalo veio à tona poucos dias antes do referendo em que Evo acabou perdendo a chance de disputar um quarto mandato presidencial. Valverde acredita que as denúncias tiveram "algum impacto" na consulta pública.

    Evo –que assinou em 2007 a certidão de nascimento e um documento de reconhecimento– admitiu publicamente que teria tido um filho com Gabriela, mas que ele havia morrido. Após uma tia de Gabriela dizer que o garoto estava vivo, o presidente apresentou um processo contra a ex-namorada para que ela apresentasse o menino.

    Em março, o Ministério Público da Bolívia disse que o filho nunca existiu e que Gabriela falsificou documentos para atestar o nascimento da criança –versão em que Valverde acredita hoje. Em maio, a Justiça arquivou o processo contra a ex-namorada para reconhecimento de paternidade devido à "falta de provas da existência física" do menino.

    Para o jornalista, o fato de Gabriela ter anunciado, no início de maio, que pediria para retirar o nome de Evo da certidão de nascimento e de não ter, até hoje, apresentado a criança à Justiça, é um indício de que o menino nunca existiu.

    Valverde chegou a publicar em seu Twitter que acredita que, afinal, a criança nunca existiu –o que fez com que governistas exigissem uma retratação sua. O jornalista, contudo, destaca que a certidão foi assinada por Evo, que inclusive reconheceu publicamente que teve o filho. "Não tenho que provar nada. Os papeis estão aí", disse.

    Gabriela segue sustentando que o filho está vivo.

    TRÁFICO DE INFLUÊNCIA

    Valverde, porém, critica o fato de não ter sido investigado a fundo o suposto crime de tráfico de influência. Segundo o jornal boliviano "La Razón", a empresa chinesa em que Gabriela trabalhava tem mais de US$ 500 milhões em contratos com o governo.

    "Tudo o que Zapata ganhou desde 2010 até 2016 é influenciado pelo poder político", disse o jornalista.

    Jorge Benal/AFP
    A ex-namorada de Evo Gabriela Zapata é presa em La Paz em fevereiro sob acusação de tráfico de influência
    A ex-namorada de Evo Gabriela Zapata é presa em fevereiro sob acusação de tráfico de influência

    O suposto tráfico de influência chegou a ser analisado por uma comissão especial no Congresso boliviano, de maioria governista, mas foi descartado por, segundo os parlamentares, falta de provas.

    "A Câmara dos Deputados se concentrou nos contratos [da Camc], não no que fez Zapata e em como ela chegou ali. Que alguém nos conte como Zapata chegou ali e passou a ter todo esse poder. Aí está o problema", diz Valverde.

    RISCO LATENTE

    Depois do Brasil, Valverde voltará para a Argentina e disse ter convites para ir ao Uruguai e à Venezuela –este último ele descarta, por temer represália do governo de Nicolás Maduro, aliado a Evo.

    O jornalista, no entanto, espera voltar à Bolívia nas próximas duas semanas. "O risco está latente, mas eu sigo escrevendo, publicando com frequência. Sinto que é minha obrigação estar lá", diz.

    O principal temor é que seja preso. Gabriela está detida desde 26 de fevereiro, acusada de tráfico de influência, enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro, e seu advogado, Eduardo León, também foi preso sob acusação de tráfico de pessoas e associação criminosa.

    Nos últimos meses, antes de sair da Bolívia, o jornalista já havia feito mudanças em sua rotina, como dormir duas vezes por semana em casa de amigos, para evitar qualquer retaliação do governo.

    "O governo, na sua debilidade, ficou muito agressivo. Porque ele já perdeu o respeito, então não quer que se perca também o medo."

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024