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    Partido Comunista da China aperta cerco a dirigentes corruptos

    RAUL JUSTE LORES
    DE SÃO PAULO

    12/06/2016 02h00

    Nas piadas que circulam pelas redes sociais chinesas, bordéis de luxo estão fechando por falta de clientes, assim como maridos mal conseguem reconhecer a mulher e os filhos, depois de anos de ausência.

    O alvo das ironias é o "sofrimento" dos burocratas do Partido Comunista em meio à considerada maior campanha já feita no país para coibir a corrupção. Os novos códigos de conduta e fiscalização fizeram vítimas palpáveis.

    William Mur/Folhapress

    Maior polo mundial da jogatina e um dos destinos preferidos da elite chinesa, os cassinos de Macau viram seu lucro despencar 34% em 2015 em relação ao ano anterior —em contraste com o PIB chinês, que cresceu 6,9% no mesmo ano. Empresas americanas que têm cassinos na antiga colônia portuguesa viram o valor de suas ações em Bolsa desabar.

    O Departamento de Organização do PC chinês, que monitora seus 88 milhões de membros, controla agora a permissão das viagens ao território semiautônomo de Macau, único lugar do país onde o jogo é liberado.

    NOVAS DIRETRIZES

    Em abril, novas diretrizes da Justiça estipularam que a pena de morte pode ser aplicada em casos de desvios de recursos públicos ou de propinas acima de 3 milhões de iuans (R$ 1,6 milhão).

    Funcionários públicos precisam delatar suspeitas de corrupção de colegas e relatar investimentos e cargos de cônjuges e familiares. O pente fino tem como alvo conflitos de interesses, em um governo que possui milhares de estatais e é dono das terras.

    Segundo números oficiais, 300 mil burocratas foram punidos no ano passado. A sanção mais comum é o cancelamento de promoção nos rankings do governo e do partido, que se confundem —3.200 autoridades foram punidas por ter mulher e filhos morando no exterior, "com recursos desviados ilegalmente e já preparando sua fuga do país", segundo a agência estatal Xinhua.

    "Essa campanha é crítica para a permanência do partido. A opinião pública demandava respostas", diz à Folha o professor da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, Liu Weihua.

    Desde 2013, quando se tornou presidente da China, Xi Jinping transformou o combate à corrupção em prioridade. Escândalos não faltam.

    No ano passado, foi preso o chefe de gabinete do ex-presidente Hu Jintao, Ling Jinghua. O filho dele, de 23 anos, morreu enquanto dirigia embriagado uma Ferrari Spider 458, avaliada em quase US$ 350 mil, acompanhado de duas jovens seminuas.

    O pai tentou abafar o caso, ocorrido de madrugada em uma avenida de Pequim, mas a foto da Ferrari destruída viralizou pelas redes chinesas.

    Em 2013, o "julgamento do ano", segundo a mídia estatal, foi o do casal Bo Xilai e Gu Kailai. Bo era um dos favoritos à Presidência —era o governador da maior região metropolitana, Chongqing.

    Gu admitiu ter matado o lobista britânico Neil Heywood. O casal tinha uma mansão em Cannes e registrara a propriedade no nome dele para não despertar suspeitas. Em meio à disputa pela divisão do aluguel, Heywood morreu envenenado num hotel em Chongqing. Bo e Gu foram condenados à prisão perpétua.

    No ano passado, Zhou Yongkang, um dos integrantes do anterior Comitê Permanente do Politburo, o grupo de sete homens que na prática governa a China, foi condenado à prisão perpétua. Uma das amantes dele tinha recebido o equivalente a R$ 14 milhões ao revender os direitos de exploração de gás natural que ela tinha recebido ilegalmente de Zhou. Ele era responsável pelo aparato de segurança e de Justiça no governo.

    China Central Television - 25.ago.2013/Reuters
    O ex-membro do Partido Comunista chinês Bo Xilai acompanha seu julgamento em Jinan, em 2013
    O ex-membro do Partido Comunista chinês Bo Xilai acompanha seu julgamento em Jinan, em 2013

    Fora da China, há ceticismo sobre a cruzada anticorrupção. "Muitas dessas campanhas são só expurgos de rivais. Limpeza ética só se faz com Judiciário independente", diz o ex-diplomata chinês David Lai, hoje radicado nos EUA e professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Escola da Aeronáutica da Pensilvânia.

    "Mas tem o lado bom, de assustar burocratas corruptos. No velho ditado chinês, você atira na galinha para espantar os macacos."

    Jornais chineses têm adaptado o provérbio, falando em "tigres e moscas" sendo afetados pelo programa contra propinas. "Por enquanto, há gente de todas as facções possíveis sendo punidas, não parece anticorrupção seletiva", diz o professor Liu, de Macau. "Há efeitos diretos na pequena corrupção no interior, quando os graúdos aparecem detidos na TV."

    Para analistas políticos, em tempos de desaceleração econômica, o presidente Xi estaria demonstrando força com as medidas e encurralando opositores. Ao ter que estimular o consumo doméstico e frear as altas taxas de investimento em infraestrutura (com endividamento), setores do Partido que lucravam com grandes obras viárias, de engenharia e arquitetura, estariam entre os mais irritados contra Xi.

    Para valer ou não, a campanha continua afetando os prazeres da elite comunista. O PIB de Macau no primeiro trimestre deste ano caiu 13% em relação ao do já deprimido 2015. Em maio, a jogatina na ex-colônia portuguesa movimentou 18,4 bilhões de patacas (moeda oficial do território), o equivalente a R$ 7,9 bi. As apostas têm caído por 25 meses consecutivos.

    *

    PACOTE ANTICORRUPÇÃO DO PARTIDO COMUNISTA

    As medidas adotadas pelo governo chinês para combater desvios

    Morte ou cadeia
    Pena de morte ou prisão perpétua em casos de desvio ou recebimento de propinas superiores a 3 milhões de iuans (R$ 1,6 milhão)

    Delação
    Abertura de processo criminal se funcionário público não delatar parente ou se subordinado aceitou propinas

    Marido e mulher
    Maridos e mulheres de autoridades públicas não podem aceitar cargos de direção em empresas privadas ou em multinacionais

    Nada para o cônjuge
    Quanto mais alto o ranking, regras mais severas aos cônjuges —não podem ser sócio, diretor, investidor ou ter uma empresa

    Contrato com parente
    Filhos, genros e noras não podem trabalhar em setores que mantenham negócios ou contratos com a área dirigida pelo parente

    Cargos de familiares
    Autoridades precisam fazer relatórios anuais sobre os negócios, empregos e empresas de seus parentes

    Checagem aleatória
    PC vai realizar investigações aleatórias em departamentos públicos para checar o cumprimento das normas

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