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    ANÁLISE

    Desprezo a gays não se restringe a terroristas

    RAUL JUSTE LORES
    DE SÃO PAULO

    12/06/2016 19h49

    O assassino de Orlando sentiu nojinho ao ver dois homens se beijando em Miami, revelou seu próprio pai, horas depois do filho ter acabado com a vida de 49 pessoas e deixado 53 feridos em uma boate gay.

    O governador republicano da Flórida, Rick Scott, apressou-se para chamar a tragédia de "um ato claro de terrorismo". Mas não conseguiu falar uma única palavra sobre o local do atentado ou o perfil das vítimas. Não foi capaz de se solidarizar nem no momento da tragédia.

    Há variados graus de "nojinho" contra os gays. Com seu mix de ignorância, machismo e ressentimento, o terrorismo islâmico certamente tem aversão mor e mais destrutiva. Os vídeos dos militantes do Estado Islâmico atirando gays do alto de prédios comprovam o horror.

    Mas quando até certo establishment educado e supostamente civilizado se permite ignorar, desprezar ou considerar cidadãos de segunda classe quem tem orientação sexual diferente, fica mais difícil brecar os elementos mais miolo-mole, violentos e menos educados de uma sociedade.

    Em outras latitudes, eles batem em homossexuais com uma lâmpada. Em Orlando, podem comprar um rifle em um supermercado, sem nenhuma checagem psicológica ou de antecedentes criminais.

    O governador Scott foi um dos mais de dez governadores republicanos a recorrerem contra as decisões do Judiciário de seus Estados que legalizaram o casamento gay. Negar a igualdade alheia era prioridade para ele.

    Outro a condenar o "terrorismo islâmico" e esquecer de mencionar o alvo homossexual foi o senador pela Flórida Marco Rubio. Até março, quando era pré-candidato à Casa Branca, Rubio criticava a decisão do Supremo americano de ter aprovado o casamento gay no ano passado. Dizia que daria para reverter a decisão e prometia nomear outros juízes da Corte Suprema, que talvez retrocedessem o relógio da igualdade de direitos.

    Entretanto, horas depois de ignorar as vítimas, questionado pela mídia americana, Rubio admitiu que "o senso comum nos diz que o terrorista talvez tivesse os gays como alvo pela visão que os radicais islâmicos têm sobre os gays". Rubio esqueceu de suas próprias convicções religiosas.

    No ano passado, usava os "ensinamentos bíblicos" e as "regras de Deus" como argumentos para ser contrário que dois adultos homossexuais pudessem ser reconhecidos como casal diante do Estado.

    Alguns pastores e pregadores de diversas religiões diziam, até há pouco, em rádios e nas TVs dos bastiões homofóbicos do interior do país, que os "pervertidos" homossexuais "queimariam no inferno". Outros, moderados, ainda apelavam para o "perdoe-se o pecador, mas não o pecado". Pecado? Com guias espirituais assim, como esperar que o pai do atirador tivesse aproveitado a confissão de repugnância do filho para lhe dar uma lição de respeito e tolerância ao diferente?

    PROGRESSO

    Obama falou que a boate de Orlando "era mais que uma casa noturna. Era um ambiente de solidariedade e empoderamento". Demonstrou conhecimento da comunidade atacada. Por décadas, as casas noturnas eram o refúgio à discriminação da família, no ambiente de trabalho e na rua. Foram certamente os primeiros lugares a exibirem a simbólica bandeira do arco-íris.

    Mas o atentado não deve obscurecer o enorme avanço no reconhecimento da igualdade de gays, lésbicas e transgêneros nos EUA. Junto com o Canadá, a sociedade americana se tornou em pouco tempo a mais avançada em políticas igualitárias das Américas.

    Grandes empresas americanas patrocinam campanhas antidiscriminação e pró-diversidade, e ameaçam cancelar investimentos contra governadores e prefeitos que ousem propor leis preconceituosas. Elas não fogem de paradas gays –ao contrário, querem suas marcas lá.

    Na campanha digital "It gets better" [vai melhorar] contra o suicídio de adolescentes gays, corporações encorajaram seus executivos homossexuais a compartilharem suas histórias de sucesso. O presidente da Apple, Tim Cook, disse que é gay sem causar o menor rebuliço. Piadinhas homofóbicas não são mais toleradas no mercado financeiro, em escritórios de advocacia e em redações de jornais.

    Na TV americana, já é comum dezenas de apresentadores de TV, atores e atrizes saírem do armário sem temer por suas carreiras. Até políticos e esportistas se livraram do armário. Algo ainda inédito em boa parte do mundo.

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