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    Análise

    Acesso fácil a armas potencializa ódio de desequilibrados

    DANIEL MACK
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    13/06/2016 02h00

    Quarenta e nove seres humanos saíram para se divertir e foram aniquilados. Após o maior massacre por armas de fogo em um país onde estes se repetem com frequência, o debate sobre o atentado em Orlando seguirá roteiro fixo.

    A ascendência afegã do assassino Omar Mateen (nascido em Nova Iorque), seu suposto alinhamento ao Estado Islâmico, o alvo (uma boate gay de frequência latina), questionamentos sobre sua saúde mental.

    A única novidade será a inclusão do candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump, cuja retórica transita nesses terrenos pantanosos, como inoportuno comentarista.

    Foi terrorismo? Certamente. Crime homofóbico? O próprio pai confirmou que o assassino nutria ódio a homossexuais. E ninguém em sã consciência mata dezenas.

    O matador usa justificativas deturpadas para concretizar o ato. Mas todo massacre tem uma fórmula: estado mental alterado conjugado com a disponibilidade de instrumentos altamente letais.

    Enquanto o homicídio muitas vezes segue um arroubo, o massacre pressupõe convicção e planejamento.

    A intenção, para se concretizar, depende de instrumentos, e o assassino os tinha: um fuzil AR-15 semi-automático —cuja proibição caducou por omissão do Congresso em 2004—, e uma pistola, ambos comprados legalmente nos últimos dias. Nos EUA, é fácil comprar armas.

    A confluência da Segunda Emenda (que garante a posse de armas), de uma cultura que preza o individualismo e o belicismo na solução de conflitos e de um lobby (NRA) bancado pela indústria de armas que bloqueia no Congresso até medidas com apoio de 90% da população, dão lastro legal e cultural.

    A possibilidade de comprar armas não só em lojas, mas também em feiras de armas, físicas e on-line, sem checagem de antecedentes, cria acesso quase irrestrito.

    Hoje, nem indivíduos que não podem entrar em um avião por suposto elo terrorista ou com histórico de violência doméstica estão proibidos de comprar armas.

    Essa facilidade é exacerbada na Flórida, entre os Estados com as mais frouxas leis de controle de armas do país.

    A discussão ferverá nos termos acima, mesmo que nas mortes por arma de fogo em 2015 nos EUA, crianças pequenas tenham apertado o gatilho mais vezes do que terroristas islâmicos.

    No Brasil, cabe imaginar a potencial distopia, no país com maior número de homicídios a tiros, se prevalecer no Congresso forças que não respeitam o Estado laico, não veem a homofobia como inadmissível nem o controle de armas como crucial.

    Há gente desequilibrada e com ódio em Realengo ou Orlando. Devemos permitir-lhes acesso fácil a instrumentos feitos para matar?

    DANIEL MACK, mestre em relações internacionais pela Universidade de Georgetown (Washington), é consultor independente especializado em redução da violência armada.

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