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    Examinado 2 vezes pelo FBI, atirador de Orlando expõe brechas legais

    DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

    14/06/2016 08h49

    Reprodução/MySpace
    O americano Omar Mateen, 29, entrou armado na boate gay Pulse, em Orlando, e matou 49 pessoas antes de ser morto pela polícia
    O americano Omar Mateen, 29, entrou armado na boate gay Pulse, em Orlando, e matou 49 pessoas

    Em maio de 2014, quando um jovem americano da Flórida conduziu um caminhão carregado de explosivos e o jogou contra um restaurante na Síria, agentes do FBI vasculharam seus posts on-line e entrevistaram seus contatos na Flórida, num esforço para determinar se alguém poderia tentar lançar um ataque semelhante nos EUA, e, caso sim, quem.

    Uma das pessoas com quem o FBI conversou foi Omar Mateen, jovem segurança de uma cidade vizinha que tinha frequentado a mesma mesquita que o responsável pelo ataque suicida e figurara numa lista de possíveis suspeitos de terrorismo a serem vigiados, devido a comentários incendiários feitos em certa ocasião a colegas de trabalho num tribunal local.

    Mas, não tendo encontrado qualquer evidência de que Mateen representasse uma ameaça terrorista à sua comunidade, o FBI deixou de vigiá-lo pouco depois.

    Essa conclusão esperançosa foi exposta como injustificada com o espasmo de violência sanguinária na madrugada de domingo (12), quando Mateen matou 49 pessoas numa boate em Orlando, Flórida, antes de ser morto por policiais que invadiram o local para pôr fim à chacina.

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    Os acontecimentos terríveis na boate Pulse deixaram familiares, vizinhos e investigadores federais buscando pistas sobre o que pode ter levado Mateen, 29, a cometer essa violência indizível.

    CONTRADIÇÕES

    A investigação governamental pode levar meses, mas um olhar inicial sobre a vida de Omar Mateen revela uma série de contradições.

    Ele era um homem que podia ser charmoso, gostava de música afegã e curtia dançar em cerimônias familiares, mas que também era violentamente agressivo. Familiares dele disseram que Mateen não era muito religioso, mas era rígido e conservador, considerando que sua mulher deveria ficar principalmente em casa.

    O diretor do FBI disse nesta segunda-feira (13) que Mateen no passado disse ter vínculos tanto com a Al Qaeda quanto com o Hizbollah, dois grupos radicais que se opõem violentamente.

    Investigadores agora precisam tentar discernir até que ponto a chacina foi obra de um homem profundamente perturbado, como Mateen foi descrito por sua ex-mulher e outras pessoas, e até que ponto foi movida por ideologia religiosa ou política.

    VIOLÊNCIA ALEATÓRIA

    Seja o que for que levou Mateen a cometer o massacre, seus atos destacam a dificuldade que o governo americano tem em fazer frente a um novo estilo de terrorismo: atos aleatórios de violência que podem ter sido pelo menos parcialmente inspirados pelo Estado Islâmico, mas não foram orquestrados pelos líderes do grupo.

    Diferentemente da Al Qaeda, que empreende de preferência operações altamente organizadas e planejadas, o Estado Islâmico incentiva qualquer pessoa a empunhar armas em seu nome e emprega uma campanha sofisticada nas mídias sociais para inspirar ataques futuros por parte de indivíduos instáveis com pouco histórico de adesão ao islã radical.

    O presidente Barack Obama disse nesta segunda que não há evidências de que o Estado Islâmico tenha arquitetado o ataque de domingo. Isso inseriria o caso de Mateen em um padrão de radicalização doméstica.

    Autoridades americanas já disseram que as pessoas monitoradas nos Estados Unidos por possíveis vínculos com o EI geralmente têm pouco treinamento em terrorismo e recebem pouco apoio externo.

    Isso significa que frustrar um ataque inspirado pelo Estado Islâmico é menos como impedir um ato tradicional de terrorismo e mais como tentar prevenir um ataque a tiros numa escola ou cinema.

    O ATIRADOR

    Filho de imigrantes afegãos, Omar Mateen nasceu em Nova York em 1986. Em 1991 sua família se mudou para a Flórida, onde ele passou uma infância e adolescência tranquilas na área de Port St. Lucie, na costa leste do Estado. Ainda criança, fez amizades numa mesquita local, em partidas de basquete e jogando videogames.

    No colegial e na faculdade, Mateen teve vários empregos. Em documentos judiciais ligados a uma mudança de nome em 2006 —de Omar Mir Seddique para Omar Mir Seddique Mateen—, ele disse que teve oito empregos em quatro anos, desde balconista numa mercearia até vendedor numa loja de informática.

    Mateen obteve um diploma de tecnologia de justiça criminal da Indian River State College em 2006, o mesmo ano em que começou a trabalhar para o Departamento Correcional da Flórida, num presídio a oeste de Port St. Lucie.

    Ele deixou esse emprego seis meses mais tarde; menos de seis meses depois, estava trabalhando para a G4S, uma empresa de segurança privada que tem contratos grandes com o governo para trabalhos nos EUA e fora do país.

    Durante os anos em que trabalhou para a companhia, Mateen foi segurança de pelo menos dois lugares: o clube de golfe PGA Village e o complexo do tribunal do condado de St. Lucie.

    ATENÇÃO DO FBI

    Ele chamou a atenção do FBI em 2013, quando alguns de seus colegas de trabalho o denunciaram por fazer declarações inflamatórias dizendo que tinha ligações com terroristas no exterior e que esperava que o FBI invadisse a casa de sua família para que ele pudesse tornar-se um mártir.

    O FBI abriu uma investigação e pôs Mateen numa lista de vigilância de possíveis suspeitos de terrorismo, onde permaneceu por quase um ano.

    Em entrevista coletiva nesta segunda-feira, o diretor do FBI, James Comey, disse que agentes utilizaram vários métodos para investigar Mateen, incluindo enviar um informante secreto que fez contato com o suspeito, grampeando as conversas que tiveram e vasculhando seus papéis pessoais e financeiros.

    O FBI também teria pedido ajuda às autoridades de inteligência sauditas para saber mais sobre as viagens que Mateen fez à Arábia Saudita em 2011 e 2012 para o Umrah, uma peregrinação sagrada a Meca feita por muçulmanos.

    Mais de 11 mil americanos por ano fazem peregrinações a Meca, e Comey disse que o FBI não encontrou nenhuma informação "depreciativa" sobre as viagens de Mateen.

    Em entrevistas a agentes do FBI, disse Comey, Mateen falou que tinha feito as declarações incendiárias em um momento de raiva porque seus colegas de trabalho o tinham ridicularizado por ser muçulmano e ele quis amedrontá-los. O FBI encerrou a investigação e tirou o nome dele da lista de suspeitos de terrorismo.

    Dois meses mais tarde, porém, em julho de 2014, o nome de Mateen voltou a aparecer, dessa vez em conexão com o jovem da Flórida, Moner Mohammad Abusalha, que tinha viajado para a Síria e realizado o ataque suicida contra o restaurante.

    Durante essa investigação, agentes do FBI ficaram sabendo que Abusalha e Mateen tinham frequentado a mesma mesquita e se conheciam "casualmente", disse Comey.

    O FBI entrevistou Mateen uma terceira vez, mas determinou que suas ligações com o terrorista suicida não eram significativas. Depois disso, não teve mais contato com Mateen.

    Comey defendeu o trabalho de seus agentes. Mas nas próximas semanas é provável que o modo como o FBI lidou com Mateen seja examinado de perto e criticado.

    Mesmo assim, casos como esses irritam agentes de contraterrorismo do FBI. Eles dizem que são criticados por qualquer escolha que fizerem: ou por deixar casos abertos por tempo demais ou por encerrar casos por insuficiência de evidências.

    Dan Borelli, supervisor aposentado de contraterrorismo do FBI em Nova York, disse que é perigoso criticar agentes que encerram investigações por falta de evidências. "Devemos deixar que seu futuro seja afetado, se não há base comprovada para isso? Esse é o reverso da moeda aqui", ele disse.

    O pai de Omar Mateen, Seddique Mir Mateen, afirmou inequivocamente nesta segunda que seu filho cometeu "um ato de terrorismo". Mas ele e outros membros da família disseram que ainda não entendem por que um jovem que nunca foi especialmente religioso agora esteja sendo vinculado à ideologia assassina do Estado Islâmico.

    Disseram que, neste momento, não têm explicações a oferecer. "Por que ele fez isso?" indagou o pai de Mateen. "Ele nasceu na América. Estudou na América. Fez faculdade. Por que ele fez isso? Estou tão perplexo quanto vocês."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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