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    Plebiscito britânico

    Defesa da saída da UE é sobretudo emocional, afirma pesquisador

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    19/06/2016 02h00

    Para o pesquisador britânico John Carlin, 60, o "coração do debate" sobre a saída ou não do Reino Unido da União Europeia, que vai a plebiscito nesta quinta (23), é a questão da imigração.

    Autor de "Invictus - Conquistando o Inimigo" (editora Sextante), que deu origem ao filme "Invictus", de 2009, Carlin especializou-se na trajetória de Nelson Mandela, a quem conheceu, e morou em países como Argentina, Espanha e Reino Unido.

    Por ser bilíngue, tornou-se articulista de jornais como "El País", "The New York Times", "Guardian" e "Financial Times". Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista que deu à Folha, de Londres, onde mora.

    *

    Folha - Como você definiria o debate sobre o plebiscito nestas últimas semanas?
    John Carlin - Desde o princípio, há três questões-chave.

    Javier Soriano/AFP
    British writer John Carlin poses during a photocall for the premiere of Clint Eastwood's film "Invictus" in Madrid, on January 27, 2010. The Clint Eastwood film "Invictus", about South Africa's 1995 Rugby World Cup victory, stars Morgan Freeman playing Mandela. AFP PHOTO/JAVIER SORIANO. / AFP PHOTO / JAVIER SORIANO ORG XMIT: JS092 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O jornalista John Carlin posa na première de 'Invictus', inspirado em seu livro, em Madri

    A primeira trata da soberania, em que as pessoas se dividem entre as que pensam que devemos seguir sendo governados pelo Parlamento Britânico ou por Bruxelas [sede da União Europeia]. Aí, há tanto argumentos sobre detalhes de como devem ser as políticas públicas como os argumentos de patriotismo.

    A segunda é econômica, mas não creio que o grosso da população entenda bem os cálculos que se apresentam pró e contra a saída do Reino Unido da União Europeia.

    O que acho ser o ponto principal dessa discussão é a terceira razão, que envolve uma questão mais emotiva.

    E qual seria esta?

    O tema da imigração. Este hoje é o coração da preocupação dos ingleses. E digo dos ingleses, e não dos britânicos em geral. Porque há um ressurgimento de uma nostalgia daquilo que gerações anteriores viveram.

    Uma nostalgia que envolve mitos –por exemplo o de que se não fosse pela Inglaterra, este não seria um continente desenvolvido. Além do imaginário de uma Inglaterra que dominava grandes territórios pelo mundo.

    Os que pensam assim creem que os males da sociedade e do governo atuais vieram com a imigração, da corrupção à violência.

    É algo cultural, e que está tendo grande peso, parece que a discussão sobre o plebiscito ligou uma máquina enferrujada na mente de muitos dos ingleses, e é uma máquina movida por esse sentimento de superioridade, preconceito e arrogância.

    E é um tanto estranho porque os que advogam a saída o fazem como se estivessem pedindo uma independência do Reino Unido, como se estivéssemos numa disputa de independência de nações, algo anacrônico para a Europa de hoje. E definitivamente não é o que está em jogo.

    Se o caso é evocar o passado, os defensores da permanência insistem na ideia de que a União Europeia fez de um continente que vivia em guerra um lugar de paz. Este argumento, que também envolve a história, não é mais forte?

    É a disputa que estamos vendo, e eu espero que sim, que este argumento vença.

    O ex-premiê Gordon Brown gravou um vídeo que se transformou em algo viral há pouco tempo (youtube.com/watch?v=FmDzk4eeHzc). Ele fez esse discurso na Coventry Cathedral, local bombardeado pelos nazistas durante a Segunda Guerra, justamente elencando as contribuições da Inglaterra para uma Europa pacífica, e mostrando que o pior sinal que podíamos enviar para o mundo, neste momento de dificuldades, é que estamos saindo fora e que não vamos mais ajudar aqueles que precisam.

    Sim, este sentimento é forte também, mas as pesquisas mostram uma divisão da sociedade entre essas duas lembranças, entre essas duas ideias do que constitui o país.

    Como tem sido o papel dos intelectuais nesse debate?

    A maioria deles é a favor da ideia de que devemos permanecer na União Europeia, porque possuem uma visão mais ampla do que é o mundo convulso de hoje e a convicção de que fecharmo-nos em antigos nacionalismos não será solução para nada, só aumentará os preconceitos.

    Agora, há também os que defendem a permanência, mas com mais autonomia em determinadas questões. Quando se vai aos detalhes mais técnicos de determinadas áreas, os intelectuais se dividem. Mas de um modo geral, entende-se que a existência do bloco é benéfica para o conjunto e para o mundo.

    O quanto pesa na decisão do cidadão comum a desaceleração econômica mundial e a eventual ameaça ao emprego?

    Muito. Novamente, é um dos medos que a imigração traz, o de que a pessoa perderá seu emprego, de que aquilo que existe aqui não poderá ser repartido por todos os que chegarem. Esse sentimento de proteger seu patrimônio, seu trabalho, da ameaça que vem de fora, é muito forte para o inglês comum.

    Nesse sentido, os que vêm defendendo a saída se assemelham nos argumentos ao discurso do presidenciável norte-americano Donald Trump, por exemplo?

    É exatamente o mesmo discurso quando você ouve líderes do Ukip (partido ultranacionalista britânico), como Nigel Farage. De recuperar a grandeza da nação, de expulsar a ameaça que representa o que vem de fora.
    E, como estamos vendo nos EUA, é bastante eficiente, o que torna esse cenário um tanto deprimente.

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