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    Iraquianos forçados a migrar encaram depressão, fome e explosivos

    JOHANNA NUBLAT
    DE SÃO PAULO

    20/06/2016 02h00

    "Muitos enfrentam o terceiro verão de conflitos, tiveram que se deslocar duas ou três vezes, perderam suas casas, parentes, a comunidade, vivem em casas não acabadas. O sofrimento é enorme."

    Essa é a descrição de Florencia Romero, conselheira médica dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) para os 3,2 milhões de pessoas que tiveram que se deslocar dentro do território iraquiano desde o início de 2014, frente à escalada do conflito contra a milícia Estado Islâmico (EI).

    O Acnur (agência da ONU para os refugiados) lista o Iraque como terceiro país com o maior número de nacionais que tiveram que migrar em seu próprio território —4,4 milhões, se considerado o contingente de mais de 1 milhão deslocado antes de 2014.

    Relatos feitos à Folha por organizações que prestam apoio humanitário ou denunciam violações de direitos humanos revelam o caos em regiões do país: dificuldade de acesso a serviços de saúde, 2 milhões de crianças fora da escola, desemprego e destruição de residências, além dos riscos à vida enfrentados na fuga dos locais sob cerco.

    As últimas semanas viram a onda mais recente de deslocamentos, com mais de 80 mil civis fugindo de Fallujah desde o início de uma operação militar contra o EI —que domina a cidade desde 2014 e impedia a população de sair.

    Diana Eltahawy, pesquisadora de Iraque para a Anistia Internacional, diz que os relatos de quem escapou revelam terríveis condições na cidade sob o domínio do EI.

    "As pessoas falam de fome, dificuldade de acesso a água limpa, da vida sob medo constante, dos bombardeios. E os riscos da fuga também são enormes: há risco de serem alvejados pelo EI", diz.

    O MSF alerta para uma dificuldade elevada de acesso a atendimento médico em áreas mais conflituosas do país, seja pela dificuldade de deslocamento pelo território, seja pela indisponibilidade dos recursos, seja pelo aumento dos custos do tratamento pela crise iraquiana.

    Parte do esforço da entidade é desenvolvido por meio de equipes móveis, que oferecem atendimento variado, incluindo saúde mental.

    "Há aumento de depressão, ansiedade e distúrbios do sono. Os serviços de atenção à saúde mental não são suficientes, é um desafio", conta a médica Romero.

    A DURA VOLTA

    A perspectiva da volta para casa para os milhões de deslocados não é mais fácil.

    A cidade de Ramadi, retomada do EI na virada do ano, revelou extensa devastação provocada pela milícia terrorista ou pelos bombardeios de suas forças oponentes.

    Uma prioridade inicial é liberar o território dos explosivos deixados pelos extremistas, explica Bruno Geddo, representante do Acnur em Bagdá. Segundo ele, dezenas de pessoas já relataram ter perdido familiares em explosões deste tipo em Ramadi.

    O ponto seguinte é para onde voltar? "Mesmo quando puderem voltar, em termos de segurança, onde estão as casas das pessoas? Quem vai pagar pela reconstrução e quanto tempo vai levar?", diz Christoph Wilcke, pesquisador da Human Rights Watch.

    Outro problema, diz Wilcke, é uma fragilidade do sistema judicial para identificar corretamente quem teve vínculo com o EI —o que gera, diz, uma "culpa coletiva" para familiares e vizinhos.

    Geddo avalia que a situação dos deslocados vai "piorar antes de melhorar", com a potencial retomada de mais territórios sob cerco do EI.

    O representante do Acnur no Iraque diz esperar um momento decisivo para o país nos próximos meses, e afirma que caberá a Bagdá aproveitar a oportunidade e à comunidade internacional dar o apoio necessário.

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