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    Análise

    Não culpe pesquisas pela surpresa com a saída britânica da UE

    NATE COHN
    DO NEW YORK TIMES

    24/06/2016 18h19

    Mais um fracasso no mundo da previsão de resultados eleitorais. A decisão britânica de sair da União Europeia, quinta-feira, foi uma grande surpresa.

    Às 23h (19h em Brasília), cinco horas antes de o resultado se tornar claro, as casas de apostas davam ao voto no "fico" uma chance de vitória de 88%, mas a causa terminou derrotada por margem de 4% dos votos.

    O erro nas projeções não ficou confinado às casas de apostas, além disso. Os mercados financeiros não antecipavam que a "Brexit", a saída britânica da União Europeia, sairia vitoriosa, o que resultou em uma correção decisiva nos mercados de ações e câmbio que usualmente teria sido incorporada previamente aos preços dos ativos.

    As pesquisas apontavam consistentemente para uma chance real de que os britânicos votassem pela saída. As médias das pesquisas chegaram a mostrar a campanha pela saída em vantagem pela maior parte dos últimos 30 dias.

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    No geral, 17 das 35 pesquisas conduzidas em junho mostravam vantagem para a saída, e só 15 para a permanência. Mas ao mesmo tempo, os mercados de apostas indicavam claro favoritismo para a permanência.

    Os argumentos a favor do favoritismo à campanha pela permanência eram compreensíveis, mas em retrospecto alguns deles pareciam mais a expressão de um desejo do que uma avaliação balanceada dos dados:

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    — As pesquisas de opinião pública no Reino Unido mostraram alguns maus resultados nos últimos anos, entre as quais as pesquisas sobre o referendo sobre a independência da Escócia e as mais recentes eleições parlamentares britânicas.

    Nos Estados Unidos, as pesquisas sobre referendos também podem ser menos precisas do que as sobre resultados de eleições para cargos executivos. Isso não era razão suficiente para desconsiderar a possibilidade de vitória da Brexit. Mas foi essa a interpretação que prevaleceu.

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    — Havia inúmeros eleitores indecisos, e a suposição era a de que os eleitores indecisos terminariam por optar pelo status quo.

    Essa era uma das interpretações dominantes sobre o motivo dos erros nas pesquisas sobre a independência escocesa, mas estranhamente essa tendência opera em sentido oposto nas eleições dos EUA —lá, os indecisos tendem a optar pelo candidato oposicionista.

    Não existem muitas provas de que qualquer das duas versões da norma sirva como indicador especialmente sólido.

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    — A maioria das pesquisas mostrava que os eleitores acreditavam que a campanha pela permanência venceria, e existiam indícios consideráveis de que esse tipo de questão —ou seja, quem os eleitores acreditam que vencerá, e não quem receberá seu voto— funciona bem para prever resultados de votações. Desta vez, não.

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    — O mercado de apostas mostrava que a campanha pela permanência era a favorita, e uma vez mais há indícios consideráveis que o mercado de apostas serve como previsor bastante confiável de resultados eleitorais. No caso, obviamente não o foi.

    Não está claro o motivo para a confiança do mercado de apostas quanto ao resultado. Talvez ela se devesse em parte a alguma combinação de todos os pontos anteriores, mas o fator decisivo pode ter sido certa dose de otimismo da parte de um conjunto de apostadores influentes, que simplesmente não conseguiam acreditar na Brexit.

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    — Por fim, as últimas pesquisas de opinião durante a campanha mostravam que a permanência estava em vantagem, especialmente depois do assassinato da parlamentar trabalhista Jo Cox, em 16 de junho.

    No geral, a Brexit liderou apenas quatro das últimas 11 pesquisas antes da votação —o bastante para conferir 0,5% de vantagem à permanência na média das pesquisas compilada pelo HuffPuff Pollster.

    A campanha do fico se saiu ainda melhor nas pesquisas mais tardias, que incluíam vantagem de 4% para a permanência em um levantamento conduzido pela YouGov no dia da votação.

    É claro que uma vantagem de 0,5% nas pesquisas não é grande coisa. Mas isso e os avanços tardios bastaram para tornar a campanha da permanência a favorita, para muitos observadores —afinal, ela era vista como favorita mesmo quando estava em desvantagem nas pesquisas.

    Seria certamente possível argumentar que as pesquisas estavam "erradas" no sentido de que tendiam a mostrar ligeira vantagem para a permanência, até o início da contagem dos votos.

    Mas havia claramente uma distinta possibilidade de vitória da Brexit, com base nos dados disponíveis de pesquisa.

    Assim, é difícil argumentar que o ocorrido foi um grande fracasso das pesquisas, e é um tanto estranho que os mercados financeiros pareçam ter sido apanhados completamente de surpresa.

    Se há uma lição nisso, ela é bastante simples: não exagere na confiança quando as pesquisas indicam uma disputa acirrada.

    Pode haver também uma lição um tanto mais sutil, que deve ecoar nos Estados Unidos depois da ascensão de Donald Trump ao posto de virtual candidato republicano.

    Analistas com nível elevado de educação e mentalidade sintonizada com a da elite —seja no jornalismo, nas finanças ou no mercado de apostas— podem ter a tendência de desconsiderar a disposição dos eleitores populistas, conservadores e de nível de educação mais baixo de apoiar candidatos e políticas que antes pareciam inaceitáveis, embora as pesquisas indiquem essa disposição.

    No caso de Trump, o ceticismo inicial era justificado —já que as primeiras pesquisas em geral não são muito precisas, em eleições primárias. E o mesmo ceticismo talvez se justificasse quanto às primeiras pesquisas sobre o referendo quanto à União Europeia.

    Mas quando o dia da votação se aproxima, as pesquisas não são tão imprecisas que possam ser descartadas levianamente. Não havia razão para surpresa quanto ao resultado, ainda que as pessoas acreditassem que a vitória da campanha pela permanência fosse mais provável.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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