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    Obras culturais britânicas revelam traços de rejeição a estrangeiros

    THALES DE MENEZES
    DE SÃO PAULO

    25/06/2016 02h00

    O britânico é marrento, acredita que um Estado opressor pode ter lá seus atrativos, acha que consegue resolver tudo sozinho e carrega com ele doses de xenofobia, às vezes disfarçada, às vezes escancarada.

    Essa definição grosseira poderia ser elaborada a partir de algumas peças de cultura pop produzidas na ilha que aprovou em plebiscito seu desligamento da União Europeia.

    De bandas de rock formadas por skinheads aos filmes de James Bond, passando por conversas desenfreadas em reality shows, é possível coletar indícios de uma postura refratária aos estrangeiros no país.

    Um dos filmes mais contundentes dos últimos tempos é "This Is England", dirigido por Shane Meadows em 2006. A história de um garoto de 12 anos que fica amigo de uma gangue de adultos skinheads é uma aula de xenofobia, machismo e intolerância geral.

    O que mais impressiona, chega a chocar, é a maneira sistemática como o menino Shuan vai substituindo sua família pelos skinheads.

    A sedução da violência está também em "Laranja Mecânica" (Stanley Kubrick, 1971), no qual o glamour hedonista e delinquente do personagem Alex é neutralizado psicologicamente pelo governo de uma Inglaterra futurista.

    E em "O Pranto de um Ídolo" (Lindsay Anderson, 1963) que mostra Richard Harris como um jogador de rúgbi dos anos 1950 que resolve tudo na porrada. Personagens diferentes, em épocas diferentes, mas com alvos semelhantes em sua fúria: mulheres, velhos, imigrantes.

    A questão do Estado autoritário que impõe controle repressor à sociedade, um braço acolhedor para fascismo e xenofobia, pode surgir no cinema inglês de forma sombria, como no amargo "Brazil" (Terry Gilliam, 1985), mas também numa alegoria oriunda das HQs, como "V de Vingança" (James MacTeigue, 2005).

    A xenofobia pode ser dissimulada, mas não menos evidente. Os chamados filmes de época têm uma grande fatia na produção cinematográfica britânica. Gostam de reproduzir o século 19 e o início do século 20, período em que o protagonismo mundial do Reino Unido era incontestável.

    Nessas produções, que falam muito a um império caído que se recusa a perder a pose, olhar com ar superior para o estrangeiro é algo que flui nos roteiros.

    Um filme como o popular "Passagem para a Índia" (David Lean, 1984), por exemplo, mostra ingleses como pessoas sem sentimento de culpa por anos de opressão a seus colonizados.

    JAMES BOND

    Até uma brincadeira cinematográfica adorada com fervor, como os filmes de James Bond, carrega algo de xenofobia. O espião 007 foge de qualquer colaboração com qualquer outro agente de países alinhados à Inglaterra, como a CIA (EUA) e o Mossad (Israel). Não confia em ninguém. Bond é um exemplo acabado do "bloco do eu sozinho" que o Reino Unido pretende desenvolver fora da UE.

    Na TV britânica, os reality shows repetem a penetração forte conseguida em outros países. De modo peculiar, os discursos xenófobos de integrantes das "casas" marcam atrações como o "Big Brother UK" e suas inúmeras imitações.

    Entidades muçulmanas já se manifestaram contra vários programas. Há dois anos, foi abortada a ideia de uma produtora disposta a criar um reality exlusivo de skinheads, com proposta clara de defender a superioridade branca.

    Na música, a intolerância é pesada justamente nos grupos skinheads. Mas a popularidade das bandas com esse perfil é pequena.

    O rock inglês caminha na direção oposta. Os movimentos "Rock Against Fascism" e "Rock Against Racism" têm militância forte desde os anos 1970.

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