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    Slogan de Trump remete a campanha isolacionista do período entreguerras

    MICHAEL BIESECKER
    DA ASSOCIATED PRESS

    30/06/2016 11h52

    O provável candidato presidencial republicano Donald Trump resume sua agenda de política externa a duas palavras: "America First" (Estados Unidos em primeiro lugar).

    Para os estudiosos de história americana, esse slogan remete à tumultuada eleição presidencial de 1940, quando centenas de milhares de americanos entraram para o Comitê America First.

    O objetivo principal desse grupo isolacionista era impedir os Estados Unidos de se aliar ao Reino Unido no combate à Alemanha nazista, que nessa época já tinha invadido quase toda a Europa. Mas o comitê também é lembrado pelo antissemitismo declarado de alguns de seus membros mais destacados e pelo fato de elogiar a política econômica de Adolf Hitler.

    O Comitê America First foi fundado na Universidade Yale na primavera de 1940 por estudantes, entre os quais Gerald Ford, que depois se tornaria presidente, e Potter Stewart, que viria a ser juiz da Suprema Corte.

    John F. Kennedy –que também se tornaria presidente– contribuiu, na época, com US$100.

    Meses depois, a França rendeu-se aos alemães, e os britânicos pareciam estar prestes a cair. Em pouco tempo o comitê se tornou a maior organização antiguerra da história dos Estados Unidos, com mais de 800 mil membros pagantes.

    À medida que foi crescendo, o comitê foi atraindo celebridades, políticos e empresários que se opunham à ajuda dada pelo presidente Franklin Roosevelt ao Reino Unido. Entre eles estava o admirado aviador Charles Lindbergh, que uma década antes se tornara o primeiro homem a atravessar o oceano Atlântico em um voo ininterrupto.

    AMIGOS EM BERLIM

    Lindbergh, cuja família era de origem alemã, fez várias visitas de alto perfil à Alemanha, incluindo uma em 1936, para as Olimpíadas em Berlim, como convidado especial do marechal de campo Hermann Goering, comandante da força aérea alemã.

    Ele acabou admirando o modo como Hitler revitalizou a economia alemã, numa época em que os Estados Unidos ainda estavam atolados na Grande Depressão, e ficou maravilhado com os caças e os bombardeiros avançados da Luftwaffe.

    Quando retornou aos EUA, Lindbergh falou favoravelmente dos nazistas e publicou artigos de opinião, amplamente lidos, dizendo que a conquista militar alemã da Europa era inevitável e que os EUA deveriam ficar de fora da guerra.

    Ele entrou para o comitê executivo do America First e tornou-se o rosto público do grupo, percorrendo o país para discursar em grandes comícios contra a guerra.

    ISOLACIONISMO E ANTISSEMITISMO

    O America First defendia a ideia de que dois oceanos imensos protegeriam os Estados Unidos de qualquer invasão externa. O grupo também se opôs à aceitação de refugiados judeus que fugiam da perseguição nazista.

    Além de Lindbergh, o comitê executivo do America First incluía o empresário automobilista Henry Ford, que tinha pago pela publicação de uma série de panfletos antissemitas intitulados "The International Jew" (O judeu internacional), e Avery Brundage, ex-presidente do Comitê Olímpico norte-americano, que impedira dois corredores judeus americanos de competir nos Jogos Olímpicos de Berlim.

    Lindbergh defendeu posições antissemitas em seus discursos, incluindo um comício do America First promovido em Des Moines, Iowa, em setembro de 1941.

    "As raças britânica e judaica querem nos envolver na guerra por razões que não são americanas", ele disse. "O maior perigo que elas representam para este país se deve ao fato de terem grandes posses e influência sobre nosso cinema, nossa imprensa, nossa rádio e nosso governo."

    Dias depois do ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, a Alemanha declarou guerra aos Estados Unidos. O America First foi disperso rapidamente.

    TRUMP

    Em seu primeiro grande discurso sobre política externa, em abril, Trump disse: "'America First' será o tema principal do meu governo".

    Ele vem usando o slogan reiteradamente em sua campanha, incluindo em um discurso nesta semana.

    "Vamos colocar a América em primeiro lugar e tornar a América grande outra vez", disse Trump em outro discurso na semana passada. "Precisamos reformar nosso sistema econômico para que possamos novamente ter sucesso todos juntos e para que a América possa voltar a enriquecer. É isso o que queremos dizer com America First."

    Trump propôs a construção de "um muro grande e bonito" na fronteira dos EUA com o México para impedir a passagem de imigrantes latinos e se opõe à aceitação de refugiados muçulmanos da Síria. Além disso, já advogou que os acordos comerciais internacionais sejam "rasgados".

    Historiadores disseram à Associated Press que existem alguns paralelos ideológicos entre o discurso de Trump na campanha e as posições assumidas 75 anos atrás pelos membros do primeiro comitê America First.

    Naquela época, como agora, um desaquecimento econômico alimentou o ressentimento popular contra a imigração, especialmente contra imigrantes não vistos como americanos tradicionais.

    "Falar em construir um muro revela a ilusão de que é possível haver uma defesa física que impeça a entrada de elementos estrangeiros", disse Bruce Miroff, professor de política americana na Universidade Estadual de Nova York em Albany.

    "O America First se inspirava e alimentava a desconfiança em relação a uma outra ameaça que supostamente colocava em risco o modo de vida americano. Na época, esse outro eram os judeus. No caso de Trump, os outros são os muçulmanos e o medo do terrorismo."

    Hope Hicks, porta-voz da campanha de Trump, não respondeu a mensagens esta semana pedindo comentários sobre o slogan America First.

    A Liga Antidifamação, uma organização de defesa dos direitos civis de judeus, mandou uma carta a Trump dois meses atrás pedindo que ele se abstivesse de usar o slogan "America First".

    O grupo pegou US$ 56 mil que Trump e sua fundação familiar lhe haviam doado ao longo de anos e redirecionou o dinheiro para novos programas educativos de combate a preconceitos e ao bullying.

    "Para muitos americanos, o termo 'America First' sempre será ligado a essa história e maculado por ela", disse Jonathan Greenblatt, o executivo-chefe do grupo.

    "Numa temporada política que já levou a um diálogo nacional sobre civilidade e tolerância, escolher uma palavra de ordem historicamente associada à incivilidade e intolerância parece pouco recomendável."

    O grupo não recebeu nenhuma resposta à sua carta, mas Trump continuou a usar o slogan, incluindo-o em um discurso novo na terça-feira (28).

    Tradução de CLARA ALLAIN

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