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    Plebiscito britânico

    Relutante, Escócia tenta contornar saída britânica da União Europeia

    FERNANDA ODILLA
    ENVIADA ESPECIAL A EDIMBURGO

    03/07/2016 02h00

    A histórica decisão dos britânicos de deixar a União Europeia deflagrou uma crise política que remodelará a estrutura partidária e, em último caso, esfacelará o reino de quatro países de Elizabeth 2ª.

    Enquanto os partidos Trabalhista e Conservador assistem a uma intensa disputa interna capaz de fragilizar suas estruturas, o Partido Nacionalista Escocês (SNP) joga pesado não só para sair fortalecido do processo, mas também para tentar emplacar a independência da Escócia.

    Odd Andersen/AFP
    Homem com gaita de fole, tradicional instrumento escocês, toca em frente ao Big Ben, em Londres
    Homem com gaita de fole, tradicional instrumento escocês, toca em frente ao Big Ben, em Londres

    Ainda que todas as estratégias do SNP envolvam o caminho para a independência —principal bandeira dos nacionalistas—, chamar uma segunda consulta pública para "libertar" o país é considerada a última e mais arriscada das opções. Em 2014, os eleitores escoceses preferiram ficar junto ao Reino Unido.

    "Ainda há dúvida se há apoio para um segundo referendo sobre a independência. Pesquisas sugerem que já aumentou, mas ainda é cedo", avalia James Mitchell, professor de políticas públicas da Universidade de Edimburgo.

    O SNP é uma legenda de centro-esquerda que ganhou força com o plebiscito pela independência escocesa.

    Apesar de derrotado, o partido vem elegendo cada vez mais representantes. Desbancou os trabalhistas e hoje governa o país com a primeira-ministra Nicola Sturgeon, que tem tentado de tudo desde a vitória do Brexit (o rompimento do Reino Unido com a UE).

    PRESSÃO

    O visível empenho de Sturgeon, que tenta desde negociar um acordo avulso com a UE até convocar uma consulta pública pela independência da Escócia, contrasta com a falta de liderança nos dois grandes partidos britânicos.

    O conservador David Cameron renunciou ao cargo de premiê e forçou seu partido a antecipar as eleições internas, numa briga da qual Boris Jonhson, o principal nome da campanha para sair do bloco europeu, desistiu de participar. Os trabalhistas do Parlamento, por sua vez, destituíram Jeremy Corbyn, forçando-o a disputar de novo o posto de líder —ele se recusa.

    "A posição de liderança de Sturgeon é um contraste gritante com o cenário em Westminster [no Parlamento] e, por isso, causa preocupação quanto à integridade territorial do Reino Unido", avalia Laura Cram, professora de política europeia na Universidade de Edimburgo.

    Agora, os nacionalistas se apegam ao sentimento de injustiça que paira na Escócia e tem motivado manifestações de amor à UE. Em menos de uma semana foram três protestos diante do Parlamento escocês, cada um com mais manifestantes.

    "A Escócia votou para ficar na União Europeia, mas está sendo forçada a sair. O bom senso diria que a saída é declarar a independência e virar membro do bloco. Mas as coisas são mais complicadas, e o jogo político, pesado", observa o professor de direito Cormac Mac Amhlaigh, da Universidade de Edimburgo.

    XADREZ POLÍTICO

    Sturgeon está a frente desse processo e tem apostado em tudo. Na quarta (29), ela foi a Bruxelas sondar lideranças da UE sobre a possibilidade de negociar em separado uma posição diferenciada para a Escócia. Enfrentou a resistência do bloco, que não vai facilitar as negociações para o Reino Unido e pressiona pelo início do processo.

    A primeira-ministra fala na possibilidade de a Escócia vetar o resultado do plebiscito (a lei exige aprovação dos parlamentos de Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte). Mac Amhlaigh diz que o veto é apenas um ato político incapaz de interromper o processo de saída, que define como jogo de xadrez.

    "Londres não precisa parar as negociações porque a Escócia vetou. Mas, se ignorar o veto, pode dar argumentos para os escoceses declararem independência, já que perderam voz e força no Reino Unido. Ao mesmo tempo, para chamar outro plebiscito pela independência, é preciso que o premiê autorize".

    Sturgeon também tem mantido conversas com Irlanda do Norte e Gibraltar, que, como a Escócia, votaram para ficar no bloco europeu e discutem a possibilidade de romper com o Reino Unido.

    "Ela tentará de tudo, mas não vai fazer nada que não tenha apoio da grande maioria dos escoceses", observa o professor Mac Amhlaigh.

    Ainda que insatisfeitos com o resultado do plebiscito, os escoceses que protestam pela permanência na UE se dividem sobre a solução para continuar no bloco.

    Jack Sinclair, 22, diz que mais efetivo seria uma nova consulta pela independência da Escócia. "O ideal é fazer logo, enquanto o povo está animado", observa, enquanto ergue um cartaz pela paz.

    Já os amigos Oliver Cotton, 20, e Angus Green, 22, não têm pressa. "Antes de votarmos pela independência, precisamos ver como fica a situação da Escócia em relação ao resto da Europa", diz Cotton, que foi para a manifestação de quarta-feira (29) usando o tradicional traje escocês.

    Nina Baker, 62, saiu de Glasgow para protestar em Edimburgo. O cartaz dela dizia para não culpá-la: "Tenho mais de 60 e votei para ficar".

    Baker também não acha que a independência teria apoio irrestrito dos escoceses e tampouco garantiria posição privilegiada na UE. Para ela, membro do Partido Verde, o plebiscito serviu para mostrar que o único partido com liderança é o SNP. "O resto está se desintegrando."

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