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    Notívago, Obama passa horas sozinho na Casa Branca depois do jantar

    MICHAEL D. SHEAR
    DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

    05/07/2016 07h00

    Os e-mails chegam tarde, muitas vezes depois da 1h, digitados em um BlackBerry seguro, de um endereço eletrônico que poucas pessoas conhecem. Os destinatários exaustos sabem que, mais uma vez, o chefe ainda não foi dormir.

    As interrupções tardias do presidente Barack Obama podem ser perguntas em termos precisos sobre memorandos que ele leu. Às vezes são provocações porque o time do destinatário simplesmente perdeu.

    Zach Gibson/The New York Times
    O presidente dos EUA, Barack Obama, caminha vindo da área privada da Casa Branca em fevereiro
    O presidente dos EUA, Barack Obama, caminha vindo da área privada da Casa Branca em fevereiro

    No mês passado foi um e-mail à 0h30 para Ben Rhodes, o vice-assessor de Segurança Nacional, e Denis McDonough, o chefe de gabinete da Casa Branca, dizendo-lhes que ele tinha acabado de revisar o esboço feito pelo redator de discursos dos comentários presidenciais para aquela manhã.

    Obama havia passado três horas rabiscando a mão em um bloco amarelo tamanho ofício uma irritada condenação à reação de Donald Trump ao ataque em Orlando, na Flórida, e disse a seus assessores que poderiam pegar sua revisão no escritório do porteiro da Casa Branca quando chegassem para trabalhar.

    Obama chama a si mesmo de "um homem noturno", e como presidente passou a considerar as longas e solitárias horas após anoitecer como tão essenciais quanto seu tempo no Salão Oval.

    Quase todas as noites em que está na Casa Branca, Obama janta às 18h30 com sua mulher e suas filhas e então se retira para a Sala de Tratados, seu escritório particular no mesmo corredor de seu quarto, no segundo andar da residência na Casa Branca.

    Lá, segundo seus assessores mais próximos, passa de quatro a cinco horas praticamente sozinho.

    Ele revisa discursos, lê a pilha de comunicados entregues às 8h pelo secretário de Gabinete do Conselho de Segurança Nacional, lê dez cartas de americanos escolhidas diariamente por sua equipe.

    "Como podemos permitir que cidadãos privados comprem armas automáticas? São armas de guerra", escreveu Liz O'Connor, professora escolar em Connecticut, em uma carta que Obama leu na noite de 13 de junho.

    O presidente também assiste à ESPN, lê romances ou joga Words With Friends em seu iPad.

    Michelle Obama às vezes aparece, mas ela vai dormir antes do presidente, que fica acordado até tão tarde que mal consegue dormir cinco horas por noite. Para Obama, o tempo sozinho se tornou mais importante.

    "Todo mundo tenta encontrar tempo para pôr as ideias em ordem. Não há dúvida de que essa janela é a janela dele", disse Rahm Emanuel, o primeiro chefe de Gabinete de Obama. "Você não consegue reservar meia hora para fazer isso durante o dia. É muita coisa chegando. Esse é o lugar onde tudo pode ser posto de lado e você consegue se concentrar."

    O presidente George W. Bush, que levantava cedo, ia dormir às 22h. O presidente Bill Clinton ficava acordado até tarde, como Obama, mas passava o tempo em longas conversas ao telefone com amigos e aliados políticos, obrigando os assessores a verificar os registros de ligações da Casa Branca de manhã para saber com quem o presidente havia falado na noite anterior.

    "Muitas vezes, para alguns de nossos líderes presidenciais, a energia que eles precisam vem do contato com outras pessoas", disse a historiadora Doris Kearns Goodwin, que jantou com Obama várias vezes nos últimos sete anos e meio. "Ele parece ser uma pessoa que fica à vontade em casa sozinho."

    MUITO PAPEL

    Quando Obama chegou à Casa Branca pela primeira vez, sua rotina após o jantar começava por volta das 19h15 na Sala de Jogos, no terceiro andar da residência.

    Lá, em uma velha mesa de bilhar Brunswick, Obama e Sam Kass, então cozinheiro pessoal da família Obama, passavam 45 minutos jogando oito bolas.

    Kass via o bilhar como uma oportunidade de Obama descomprimir depois de dias intensos no Salão Oval, e os dois mantinham um placar contínuo. "Ele está um pouco à frente", disse Kass, que deixou a Casa Branca no final de 2014.

    Damon Winter/The New York Times
    O presidente dos EUA, Barack Obama, em reunião no Salão Oval da Casa Branca durante o dia
    O presidente dos EUA, Barack Obama, em reunião no Salão Oval da Casa Branca durante o dia

    Naquele tempo, o presidente dava sequência ao bilhar com a rotina de pôr as filhas na cama para dormir. Hoje que as duas estão adolescentes, Obama vai diretamente para a Sala de Tratados, cujo nome vem dos muitos documentos históricos que foram assinados ali, incluindo o protocolo de paz que terminou com a Guerra Hispano-Americana em 1898.

    "O canal de esportes fica ligado", disse Emanuel, lembrando as imagens constantes no grande televisor de tela plana da sala. "Esportes ao fundo, com o volume baixo."

    Por volta das 20h, o escritório do porteiro entrega o livro de briefings diários do presidente, encadernado em couro —um grande volume acompanhado de uma grande pilha de pastas com memorandos e documentos de todo o governo, que exigem a atenção do presidente. "Uma quantidade insana de papel", disse Kass.

    "Ele é totalmente previsível no fato de que lê todos os papéis que recebe", disse Tom Donilon, que foi assessor de Segurança Nacional do presidente de 2010 a 2013. "Você chega de manhã e lá estão perguntas, anotações, decisões."

    SETE AMÊNDOAS

    Para se manter acordado, Obama não recorre à cafeína. Ele raramente toma café ou chá, e é mais frequente ter ao seu lado uma garrafa de água do que um refrigerante. Seus amigos dizem que seu único lanche à noite são sete amêndoas ligeiramente salgadas.

    "Michelle e eu sempre brincamos: nem seis, nem oito", disse Kass. "Sempre sete amêndoas."

    As exigências do cargo presidencial às vezes se interpõem. Uma foto tirada em 2011 mostra Obama na Sala de Tratados com McDonough, na época o vice-assessor de Segurança Nacional, e John O. Brennan, então chefe de Contraterrorismo de Obama e hoje diretor da CIA, depois de fazer uma ligação ao primeiro-ministro Naoto Kan, do Japão, pouco depois de esse país ser atingido por um terremoto de magnitude 9.0. "A ligação foi feita quase à meia-noite."

    Drew Angerer/The New York Times)
    O presidente dos EUA, Barack Obama, conversa com o chefe de gabinete, Rahm Emmanuel, em 2010
    O presidente dos EUA, Barack Obama, conversa com o chefe de gabinete, Rahm Emmanuel, em 2010

    Mas com maior frequência o tempo de Obama na Sala de Tratados é só dele.

    "Eu provavelmente leio papéis de briefing ou documentos, ou escrevo coisas até cerca de 23h30, então geralmente tenho uma meia hora para ler antes de ir para a cama, aproximadamente à 0h, 0h30, às vezes um pouco mais tarde", disse Obama a Jon Meacham, editor-chefe da revista "Newsweek" em 2009.

    Em 2014, Obama disse a Kelly Ripa e Michael Strahan, do programa "Live with Kelly and Michael" da ABC, que ficava acordado até mais tarde –"até umas 2h, lendo comunicados e trabalhando"– e acrescentou que acordava "a uma hora bastante razoável, geralmente por volta de 7h".

    "PODE VOLTAR?"

    As noites mais longas de Obama —que se estendem até de madrugada— geralmente envolvem discursos.

    Em uma delas, em junho de 2015, Cody Keenan, o principal redator de discursos do presidente, havia chegado em casa do trabalho às 21h e pediu uma pizza, quando ouviu do presidente: "Você pode voltar aqui esta noite?"

    Keenan se encontrou com o presidente no escritório do porteiro no primeiro andar da residência, onde os dois trabalharam até quase 23h no discurso fúnebre do presidente pelos nove afro-americanos mortos durante estudos da Bíblia na Igreja Episcopal Metodista Africana Emanuel em Charleston, Carolina do Sul.

    Doug Mills/The New York Times
    Moradores de Selma, no Estado do Alabama, assistem ao discurso de Obama pelos direitos civis
    Moradores de Selma, no Estado do Alabama, assistem ao discurso de Obama pelos direitos civis

    Em 2009, Jon Favreau, antecessor de Keenan, deu ao presidente um rascunho de seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel na véspera da partida para a cerimônia em Oslo. Obama ficou acordado até as 4h, revisando o texto, e entregou a Favreau 11 páginas manuscritas mais tarde naquela manhã.

    Na viagem à Noruega, Obama, Favreau e dois outros assessores passaram quase mais uma noite trabalhando no discurso. Depois que Obama o pronunciou, ligou para Favreau, exausto em seu hotel. "Ele disse: 'Ei, acho que deu certo'", lembrou Favreau. "Eu disse: 'Sim'. E ele disse: 'Nunca mais vamos fazer isso'."

    Nem tudo o que acontece na Sala de Tratados é trabalho. Além de jogar Words With Friends, um jogo online parecido com palavras-cruzadas, Obama aumenta o volume da televisão para os grandes jogos esportivos.

    O presidente também usa o tempo para acompanhar as notícias, folhear "The New York Times", "The Washington Post" e "The Wall Street Journal" em seu iPad ou assistir à TV a cabo.

    O ex-personal trainer de basquete de Obama, Reggie Love lembra que recebeu um e-mail após 1h depois que Obama viu uma reportagem na TV sobre estudantes cuja "lista de desejos" incluía encontrar o presidente. Por que ele não os havia encontrado?, perguntou Obama.

    Obama e sua mulher também são fãs de dramas na TV, como "Boardwalk Empire", "Game of Thrones" e "Breaking Bad". Nas noites de sexta-feira —noite de cinema na Casa Branca—, Obama e sua família costumam ficar no Cinema Familiar, uma sala de projeção com 40 lugares no primeiro andar da Ala Leste, assistindo a filmes inéditos que escolhem e são enviados pela Associação de Produtores de Cinema da América.

    Também há tempo para fantasias sobre como seria a vida fora da Casa Branca. Emanuel, que hoje é prefeito de Chicago, mas continua próximo do presidente, disse que ele e Obama certa vez imaginaram mudar-se para o Havaí e abrir uma loja de camisetas que só venderia de um tamanho (médio) e de uma cor (branca). Seu sonho era que não teriam mais de tomar decisões.

    Durante reuniões difíceis na Casa Branca, quando parecia impossível chegar a uma boa decisão, Emanuel às vezes se voltava para Obama e dizia: "Branca". E Obama dizia: "Médio".

    Agora Obama, que terá mais seis meses de noites solitárias na Sala de Tratados, parece aguardar o fim. Quando sair da Casa Branca, disse ele em março em uma oração no café da manhã de Páscoa na Sala de Jantar de Estado, "vou tirar três ou quatro meses só para dormir".

    Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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