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    Sutilezas traem racismo de americanos, diz escritor

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    DE NOVA YORK

    11/07/2016 02h00

    O escritor John Metta, 45, abriu o computador na quinta (7) e logo sacou que havia algo de errado. "Fico triste porque sempre sei quando perdemos outra alma negra inocente: começo a receber comentários no Medium de novo."

    Ele se refere à plataforma na internet na qual postou, um ano atrás, o artigo "Eu, Racista". O texto voltou a viralizar nos últimos dias, após dois negros serem abatidos por policiais brancos, em Louisiana e Minnesota, e um jovem que evocava o "black power" se vingar matando cinco policiais no Texas.

    Trata-se da transcrição de um sermão que Metta, afroamericano e evangélico, deu a uma plateia só de brancos em 2015, numa igreja em Oregon (EUA). Onze dias antes, um simpatizante do neonazismo havia assassinado nove fiéis numa igreja da comunidade negra de Charleston, Carolina do Sul.

    Divulgação
    John Metta, 45, escritor e autor do texto "Eu, Racista", que viralizou na internet
    John Metta, 45, escritor e autor do texto "Eu, Racista", que viralizou na internet

    Metta argumenta que é um engano pensar que o racismo "é escravidão" ou "evitar palavras como 'preto' e 'crioulo'". O preconceito hoje, diz, tem novas carapuças.

    "É um policial causar uma lesão na coluna vertebral de um inocente, uma criança levar um tiro por brincar com uma arma de brinquedo" (exemplos baseados em fatos reais). É encarar o branco fumando maconha como "hippie", e tachar o negro que faz o mesmo de "criminoso".

    "Racismo", continua, "é até mais sutil do que isso". Manifesta-se no elenco todo branco de "Senhor dos Anéis". "Mesmo quando inventamos qualquer porcaria, queremos que ela seja branca."

    Por um lado, diz à Folha, está otimista. "Vejo termos como 'brutalidade policial', antes ignorados, se popularizarem na mídia."
    Logo, contudo, o copo está meio vazio. "Acredito que a supremacia branca esteja morrendo. Mas também a vejo como um zumbi que volta em formas traiçoeiras."

    Para Metta, "curtir um texto no Facebook" –o dele, por exemplo– "é o equivalente a dizer 'isso é bacana' e aí voltar para o que você estava fazendo. Se você não faz nada de substancial para mudar o sistema, é conivente com ele".

    Ele acredita que "as coisas ainda vão piorar antes de melhorar" e que o atentado no Texas dividirá ainda mais o país.

    "Um negro com armas é o que tem de mais assustador na América. Receio, e a história me dá cobertura para tanto, que a polícia verá justificativa para se militarizar cada vez mais, e vamos ter mais raiva de ambos os lados."

    Micah Xavier Johnson, autor do massacre, "não é uma força para mudança positiva", mas também não surgiu do nada, afirma.

    Ele lembra que, em 2015, um jovem negro tinha nove vezes mais chances de ser morto pela polícia do que a média americana, segundo o banco de dados do jornal "The Guardian". "Talvez nessa situação as pessoas abrirão os olhos para uma comunidade que se sente oprimida."

    Para Metta, os EUA ainda precisam de várias gerações para "curar os sentimentos antinegritude". "Ainda temos regras no país como 'sem serviço para clientes sem camisa e sem sapatos', lei agora inserida no nosso código de saúde, mas criada na origem para recusar atendimento a negros."

    Para os brancos, afirma o escritor, é mais fácil ver uma saída porque "eles podem ignorar esses pequenos preconceitos, enquanto negros convivem diariamente com eles".

    Muitas pessoas, diz, mesmo sem atitudes abertamente preconceituosas, compactuam com a discriminação.

    Ele cita uma tia, uma progressista branca de Nova York, que reagiu mal quando a sobrinha negra disse que "a única diferença entre pessoas do Norte e do Sul é que aqui embaixo elas ao menos são honestas sobre serem racistas".

    Buffalo, a cidade no Estado de Nova York para onde sua tia se mudou, tem um dos dez sistemas escolares mais segregados do país.

    "Não passa pela cabeça dela que o fato de ter saído de uma região com crescente população negra para viver em uma vizinhança branca pode ser um aspecto do racismo."

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