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    opinião

    Degelo entre Brasil e EUA deve levar tempo

    PETER HAKIM
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    11/07/2016 02h00 - Atualizado às 21h05 Erramos: esse conteúdo foi alterado

    Uma camada de gelo se estabeleceu sobre as relações Brasil-Estados Unidos em 2013 depois que Edward Snowden expôs a espionagem dos EUA sobre o Brasil. Alvo de vigilância, a presidente Dilma Rousseff cancelou abruptamente uma visita programada a Washington.

    Dois anos depois, em junho de 2015, Rousseff finalmente viajou para a capital dos EUA para tentar consertar os danos. Sua visita foi um passo promissor para colocar a relação bilateral de volta nos eixos, mas isso foi soterrado pelo aprofundamento das crises domésticas.

    Kevin Lamarque - 30 jun. 2015/Reuters
    Barack Obana, durante coletiva de imprensa com Dilma Rousseff, em Washington, em 2015
    Barack Obana, durante coletiva de imprensa com Dilma Rousseff, em Washington, em 2015

    Hoje Rousseff foi substituída temporariamente por seu vice-presidente, Michel Temer, enquanto o Senado debate o impeachment e sua remoção permanente do cargo.

    A economia continua deprimida, e o Congresso mergulhou no caos em meio aos escândalos de corrupção no país. As relações Brasil-EUA, embora cordiais e corretas, estão, na prática, congeladas. Os dois países mal mantêm seu envolvimento mútuo.

    Os problemas domésticos profundos e complexos do Brasil são motivo suficiente para que os EUA tenham cautela ao lidar com o país. Embora o impeachment de Rousseff tenha seguido as normas constitucionais, muitos no Brasil e no mundo duvidam da legitimidade do processo.

    Há preocupações válidas sobre a gravidade das acusações e a justiça de um veredito vindo de muitos políticos inescrupulosos e maculados por escândalos. Em comparação com eles, Rousseff parece honesta e inocente.

    CAUTELA

    É improvável que os EUA acolham o governo Michel Temer enquanto Rousseff tiver alguma chance de voltar ao poder. Washington quer ficar longe das lutas políticas internas do Brasil.

    Mas mesmo após a questão do impeachment ser resolvida, os EUA podem manter a cautela em se alinharem de forma estreita com um governo brasileiro de legitimidade duvidosa, seja ele encabeçado por Temer ou por Rousseff.

    Pesquisas indicam que poucos brasileiros querem um dos dois como presidente. Com dois meses de existência, o governo de Temer já foi criticado pela opção de um gabinete todo branco e masculino, em uma das nações mais diversas do mundo, e pelo fato de que três de seus ministros terem renunciado sob acusações de corrupção.

    Sem novas eleições, quem ocupar o Planalto pelos próximos dois anos estará governando sem entusiasmo ou apoio popular, enquanto uma série de problemas econômicos, sociais e de segurança golpeia a nação. Por ora, o Brasil não é um lugar convidativo para um grande compromisso dos EUA.

    Com o fato de os EUA provavelmente se manterem cautelosos e em breve envolvidos em sua própria transição de governo, a partir de janeiro, é o Brasil que terá de tomar a iniciativa de reviver a inerte relação bilateral.

    Na tentativa de reparar a economia quebrada do Brasil, tanto o governo de Rousseff como o de Temer defendeu laços comerciais mais fortes com os EUA –objetivo que vale a pena perseguir.

    Isso só pode acontecer se o Brasil estiver preparado para eliminar obstáculos protecionistas de longa data e abrir amplamente sua economia.

    Também precisa encontrar uma maneira de lidar com a problemática união aduaneira do Mercosul. Com o apoio crescente da sua comunidade de negócios, há sinais encorajadores de que o Brasil está cada vez mais pronto para fazer mudanças necessárias. No entanto, os EUA também terão de ser convencidos a alterar políticas comerciais.

    COOPERAÇÃO REGIONAL

    Os EUA receberiam bem uma maior cooperação brasileira na abordagem de questões regionais críticas.

    As autoridades norte-americanas sabem que, enquanto o Brasil estiver à margem, não há muito que Washington ou outros governos possam fazer para resolver as crises profundas na Venezuela.

    Da mesma forma, o Brasil, com antigas e estreitas relações com Cuba, poderia ajudar a fazer avançar o esforço de reconciliação dos EUA.

    Sem o apoio brasileiro, não se pode fazer muito para reverter a atrofia da Organização dos Estados Americanos (OEA) e torná-la mais eficaz na promoção da democracia e dos direitos humanos.

    Mas durante muitos anos o Brasil e os EUA não conseguiram encontrar um terreno comum suficiente para colaboração nessas questões.

    O desafio para as duas nações é semelhante ao que tem sido por várias décadas.

    Uma melhor comunicação é necessária para sondar as muitas discordâncias e identificar interesses comuns.

    É preciso fazer mais para estabelecer um tom de cooperação na relação e identificar questões prioritárias –temas econômicos e de energia, por exemplo, ou problemas fundamentais da região– que podem levar a um compromisso mais intenso.

    Nada disso pode ocorrer até que o Brasil tenha um presidente permanente, cuja legitimidade para governar seja amplamente aceita. Infelizmente para ambos países, para isso pode ser necessário esperar as eleições em 2018.

    PETER HAKIM é presidente emérito do Diálogo Interamericano, em Washington

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