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    Opinião

    Movimento de turistas em Istambul dá lugar para clima pesado e instável

    ZECA CAMARGO
    COLUNISTA DA FOLHA

    15/07/2016 22h14

    "É um grande jogo", disse um amigo turco nesta noite de sexta-feira, apenas horas depois do anunciado golpe de estado na Turquia. Comerciante do Gran Bazaar, otimista inveterado, chefe de família, devoto muçulmano, ele usava um tom descontraído na sua colocação, mas mal conseguia disfarçar aquele sentimento que é tão típico dos turcos.

    Tanto que eles têm um nome para isso: "hüzün". A melancolia turca. Ela estava engasgada na garganta de meus amigos de Istambul no final de abril, quando visitei mais uma vez uma das cidades mais fascinantes de um dos países mais fascinantes do mundo.

    Mas não era um simples "hüzün". Ao contrário da tristeza etérea, quase platônica –que a obra do grande escritor Orhan Pamuk apresentou para o mundo– essa de agora tinha um foco: a situação política, ou ainda, sua instabilidade, era o objeto da insatisfação.

    As ruas de Istambul não estavam mais sombrias do que de costume em abril passado –nem mais nervosas. A cidade ainda nem tinha sofrido os dois últimos atentados terroristas –o último deles, no aeroporto, há menos de um mês, que deixou mais de 40 vítimas– mas já era claro para esse visitante que ninguém acreditava em dias tranquilos pela frente.

    Para uma cidade que vive de sua história e do turismo, as consequências negativas dessa onda de incertezas são trágicas. Fiquei hospedado desta vez em Karaköy, um bairro recentemente ressuscitado como espaço alternativo das artes. Mas mesmo lá, o clima era pesado.

    Num restaurante da moda –Karaköy Lokantasi–, cumprimentos carinhosos davam espaço para conversas graves. Nos cafés da vizinhança, geralmente lotados, mesas ociosas. Não muito diferente do que vi em Sultanahmet –endereço de alguns dos mais lindos monumentos que a cidade pode oferecer: a grande Mesquita Azul e Hagia Sophia, para citar apenas dois deles.

    Os ônibus de turistas, antes tão comuns, eram uma rara visão. E os comerciantes, dentro e fora do Gran Bazaar, nem se esforçavam em tentar adivinhar que língua os poucos turistas que passavam em frente das suas lojas falavam, na clássica tentativa (quase sempre vã) de convencê-los a entrar para comprar alguma coisa.

    Se for usar a metáfora do meu amigo, esta era a Istambul que estava, no tabuleiro, duas ou três casas antes de o jogo chegar onde chegou com esse golpe de estado. As fotos que vejo agora na internet ilustram uma cidade - na verdade, um país - bem mais nervosa(o) do que permite imaginar a memória de um turista apaixonado pelo estilo de vida cosmopolita ali, às margens do Bósforo.

    Enquanto escrevo isso, tenho a certeza de que mais de um punhado de amigos –quem sabe uma população inteira– aguarda com tensão o desenrolar de uma enorme crise política. E que não é apenas turca –ou mesmo europeia. É internacional.

    Amanhã de manhã, posso apostar, poucos serão os tapetes estendidos nas portas das lojas, e poucas as vitrines expondo tentações orientais. O que mesmo o visitante que acreditou numa possível estabilidade política e social na Turquia nesses dias vai encontrar é um país encarando finalmente uma transformação inevitável.

    Possivelmente dolorosa. Mas nada que quem mora nas margens Chifre de Ouro não tenha visto antes –e se adaptado. Só um breve intervalo antes de Istambul voltar a exercer seu fascínio sobre nós.

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