• Mundo

    Tuesday, 07-May-2024 02:58:52 -03

    Para pai de radicais, invasões por França e EUA justificam atos

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    ENVIADA ESPECIAL A ARIANA (TUNÍSIA)

    17/07/2016 02h00

    O tunisiano Taher Harzi, 66, não vê injustiça nas mortes de crianças e mulheres em atentados como o de Nice.

    Harzi é pai de Ali e Tarek Harzi, dois combatentes da facção terrorista Estado Islâmico que foram mortos por bombardeios dos Estados Unidos no ano passado na Síria e no Iraque.

    "Os americanos e os franceses foram matar muçulmanos na Síria e no Iraque, portanto, nós temos o direito de ir para o país deles", diz Harzi, sentado no sofá de sua casa no subúrbio de Ariana, perto de Túnis.

    "Quando eles bombardeiam a Síria e o Iraque, eles não poupam mulheres nem crianças. Fazemos o mesmo. As esposas e os filhos deles não são mais importantes do que as esposas e os filhos de muçulmanos."

    Seu filho Ali, que morreu aos 29, era acusado de ter planejado e executado o atentado contra o consulado dos Estados Unidos em Benghazi, que resultou na morte de quatro americanos, entre eles o embaixador na Líbia, Christopher Stevens, em 11 de setembro de 2012.

    Esam Omran Al-Fetori/Reuters
    A protester reacts as the U.S. Consulate in Benghazi is seen in flames during a protest by an armed group said to have been protesting a film being produced in the United States September 11, 2012. REUTERS/Esam Al-Fetori/File Photo ORG XMIT: TOR910
    Homem comemora em frente ao consulado dos EUA em Benghazi, após atentado em 2012

    Segundo o Departamento de Estado, Ali recrutava combatentes na Europa e África, enviava para Síria e Iraque e ajudava a organizar ataques.

    Já seu irmão Tarek ficou conhecido como o "emir dos homens-bomba" por ter planejado dezenas de ataques suicidas.

    Em 2015, o Departamento de Estado americano estabeleceu uma recompensa de US$ 3 milhões para quem fornecesse informações que levassem à captura de Tarek.

    Os nomes dos dois constavam na lista do Conselho de Segurança da ONU de sanções contra terroristas.

    Para Taher, no entanto, seus filhos eram apenas muçulmanos que seguiam os preceitos do profeta Maomé.

    "Muçulmanos são todos irmãos. O profeta Maomé diz que, se uma terra muçulmana é invadida, é nosso dever lutar", afirma.

    "Nós só seguimos as leis de Alá, nunca machucamos quem não nos machuca. Nunca fizemos nada contra o Brasil, a Coreia... Mas a França, os EUA, eles começaram", diz Taher à Folha.

    Ele destaca que os EUA "invadiram o Iraque e atacaram nossos irmãos muçulmanos". "E os franceses destruíram o governo islâmico do Mali e apoiaram a guerra do Iraque. Tarek e Ali apenas cumpriram seu dever de fazer uma cruzada contra americanos."

    SALAFISTAS

    Taher é aposentado e tem outros seis filhos. Ele conta que, durante a ditadura de Zine el Abidine Ben Ali (1987- 2011), salafistas como ele e sua família, que se propõem a voltar aos primórdios do islamismo e seguir o Corão de forma fundamentalista, eram discriminados.

    Depois da revolução, em 2011, houve maior liberdade religiosa. Mas eles agora voltaram a ser perseguidos, diz. Nem ele, nem seus filhos podem sair do país, porque seus nomes estão em uma lista das forças de segurança da Tunísia.

    "As pessoas que rezam e temem a Deus são controladas, enquanto bêbados e gente violenta pode fazer o que quiser", lamenta Taher.

    A mãe dos dois combatentes, Barkana, chora ao se lembrar da morte dos filhos. "Eu não vou deixar mais nenhum filho meu ir para Síria", diz.

    Mas Taher mexe em sua longa barba e afirma: "Se me pedirem, direi que vou e levo meus três filhos para lutar contra os americanos."

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024