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    Ataques isolados deixam França mais vulnerável, avalia pesquisador

    DANIEL BUARQUE
    DE SÃO PAULO

    17/07/2016 02h00

    Símbolo dos valores do Ocidente, a França é citada como possível alvo do terrorismo internacional há mais de uma década, mas só nos últimos meses passou a ser atacada sistematicamente —registrando mais de 200 mortes desde 2015.

    Isso acontece, segundo o cientista político franco-canadense Christophe Chowanietz, 44, por ao menos dois motivos. Para ele, a França estava preparada para evitar grandes ataques da Al Qaeda, mas se torna mais vulnerável a ataques menores, no "varejo", como dizem especialistas. Atentados assim, ele diz, são impossíveis de prevenir.

    Especialista na relação entre terrorismo e política francesa e professor do John Abbott College, em Montréal, Canadá, ele explica que outro motivo para o aumento dos atentados é a guerra na Síria. O conflito aumentou o fluxo de pessoas que receberam treinamento terrorista e que se preparam para cometer atos de forma isolada, segundo ele.

    Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

    *

    Folha - Qual a relevância de um ataque na França no dia nacional do país?

    Christophe Chowanietz - A escolha da data não foi aleatória. O 14 de julho é um símbolo da luta pelos direitos humanos, do dia em que as pessoas passaram a defender sua liberdade.

    A França tem sido citada como possível alvo de terroristas desde o 11 de Setembro. Por que só agora os ataques parecem ter se intensificado?

    A França tem uma longa história de ataques terroristas. A escala do que aconteceu em novembro e nesta semana é imensa, entretanto. O país estava preparado e conseguiu evitar ataques de grupos como a Al Qaeda. O EI é mais bem-sucedido por usar uma estratégia diferente.

    Agora, o perfil dos atentados mudou, e uma pessoa com um caminhão consegue matar quase tantas pessoas quanto grupos armados realizando ataques coordenados. Esses pequenos ataques são um símbolo do que a França está sofrendo, e eles são impossíveis de prevenir.

    O que mudou?

    O momento-chave para a segurança da França é o início da guerra civil na Síria. Analisando os 15 anos entre o 11 de Setembro e agora, a França sempre conseguiu evitar grandes atentados, mas desde a guerra na Síria, tornou-se mais fácil as pessoas circularem entre grupos terroristas, irem lutar na Síria, serem treinados e voltar com planos de organizar ataques isolados.

    Qual o impacto político de um atentado assim na França?

    É natural que o país passe a ter uma tendência mais forte à direita, defendendo políticas duras. Mas é difícil saber exatamente o que vai acontecer em relação ao presidente François Hollande e à Frente Nacional, de extrema-direita. Os radicais têm pouca chance de chegar ao poder.

    Como Hollande tem lidado com o terrorismo na França?

    Quando ele se tornou presidente, as pessoas desconfiavam dele, e o achavam fraco. De certa forma, esses ataques não afetaram sua força política, e até lhe deram um pouco mais de estatura de chefe de estado. Mas se os ataques continuarem acontecendo, isso pode mudar.

    Hollande chamou o ataque a Nice de terrorismo imediatamente após o ataque.

    É uma apropriação do simbolismo político do ataque. É sempre vantajoso para políticos chamar de terrorismo, e Hollande começou a falar isso antes que houvesse informações reais sobre essa relação. Isso acontece porque joga dentro da lógica de que estamos vivendo uma guerra, e que precisamos ter cuidado e reagir contra os terroristas.

    Ele se tornou um tipo diferente de líder desde o atentado contra o "Charlie Hebdo". Após enfrentar três ataques muito sérios, Hollande se tornou um presidente de guerra.

    Yoan Valat/Reuters
    A person holds up a "Je Suis Charlie" (I am Charlie) sign during a ceremony at Place de la Republique square to pay tribute to the victims of last year's shooting at the French satirical newspaper Charlie Hebdo, in Paris, France, January 10, 2016. France this week commemorates the victims of last year's Islamist militant attacks on satirical weekly Charlie Hebdo and a Jewish supermarket with eulogies, memorial plaques and another cartoon lampooning religion. REUTERS/Yoan Valat/Pool ORG XMIT: VAL02
    Cartaz faz homenagem ao atentado contra o "Charlie Hebdo", em cerimônia este ano, em Paris

    Por que a França se tornou alvo de terroristas?

    A França é um símbolo. Se alguém quer atacar o Ocidente, o ideal é atacar a França. É uma sociedade mais aberta e que tem muitos alvos —mesmo alguns menores. Há muitos lugares públicos que reúnem muitas pessoas e é impossível prevenir esses ataques contra aglomerações.

    O sistema de segurança da França tem sido muito criticado por conta dessa série de ataques recentes. Há problemas no contraterrorismo francês?

    Sim e não. Sempre é possível melhorar, e houve problemas de coordenação nos trabalhos da polícia e do Exército, o que criou falhas na segurança. Mas no caso de Nice, não houve problema de segurança. É impossível prevenir um ataque como este, usando um caminhão como arma contra uma multidão.

    A França precisa de mais trabalho de inteligência, e está melhorando, mas há tantos possíveis alvos de terroristas que é impossível proteger a tudo e a todos.

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