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    análise

    Povo turco vive dividido entre a lua crescente e a espada

    CHICO FELITTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    17/07/2016 02h00

    A expressão "entre a cruz e a espada" ganhou uma nova interpretação na Turquia do século 21: "Entre a lua crescente e a espada".

    A lua que cresce é o símbolo universal do islã, que se imiscui com o governo de Recep Tayyip Erdogan, que há 13 anos lidera a república turca, como primeiro-ministro de 2003 a 2014 e como presidente desde então.

    A espada é o Exército, que perdeu parte da sua força desde que o conservador AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento), de Erdogan, foi alçado ao poder, mas continua um dos setores mais poderosos da sociedade.

    As tropas turcas contam com cerca de 640 mil dos cerca de 75 milhões de habitantes. Quase um de cada cem turcos está na folha de pagamento das Forças Armadas.

    Há mesquitas por todo o país, e o chamado para reza lembra a Turquia dos fundamentos muçulmanos. Mas há possivelmente um número igual de retratos de Mustafa Kemal Atatürk, devidamente fardado, pendurados em paredes quase todo negócio e repartição pública.

    Atatürk era militar, e a modernização do país chegou com as baionetas que derrubaram, com um golpe, o Império Otomano, um Estado islâmico. Houve outras três intervenções do Exército sobre o Executivo desde então.

    Era o Exército que obrigava homens a usar roupas ocidentais e dissuadia mulheres de cobrirem suas cabeças durante décadas desde 1920. O Exército era (e segue sendo) o pendão do Estado laico.

    Um século depois, um senso de gratidão a esses "filhos" de Atatûrk (o sobrenome, inventado, significa "pai dos turcos"). Até hoje é costume dar presentes para soldados desconhecidos. Não é raro ver senhorinhas abraçando soldados, a quem chamam de "filhinho". Uma elite laica ou de religião moderada apoia abertamente os militares.

    Nos salões de Nisantasi, bairro istambulenho equivalente aos Jardins ou ao Leblon, é comum ver fardões e dragonas em festas com vestidos fendados e ocidentalizados.

    O Executivo não tem controle pleno sobre o Exército, como mostrou um mega-processo judicial chamado Ergenekon, que começou em 2008 e ainda não acabou.

    O Ergenekon é uma suposta organização secularista armada e clandestina, da qual a Justiça apontou fazerem parte militares de alta patente, jornalistas e legisladores da oposição ao governo do AKP.

    Um general e um capitão foram condenados a diversas penas de prisão perpétua. Em abril de 2016, os vereditos do caso foram anulados, e os militares, soltos.

    CHICO FELITTI é jornalista e viveu na Turquia de 2013 a 2014.

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