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    Com crise, isenção de visto está mais difícil, diz novo embaixador nos EUA

    ISABEL FLECK
    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    DE SÃO PAULO

    20/07/2016 02h00

    Marlene Bergamo/Folhapress
    O indicado para a embaixada brasileira em Washington, Sergio Amaral, concede entrevista à Folha
    O indicado para a embaixada brasileira em Washington, Sergio Amaral, concede entrevista à Folha

    Indicado pelo presidente interino, Michel Temer, para assumir a Embaixada do Brasil em Washington —um dos dois postos mais importantes da diplomacia brasileira no exterior, ao lado de Buenos Aires— Sérgio Amaral, 72, diz que o Brasil está hoje mais distante de fechar um acordo de isenção de vistos com os EUA.

    O motivo? A crise econômica. "Se antes já era difícil conseguir a isenção de vistos, agora essa dificuldade é maior", disse à Folha.

    Segundo o embaixador, que foi ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), com a crise, mais pessoas tentam ir para os EUA trabalhar e mais vistos são negados, aumentando a taxa de rejeição do país.

    Amaral já teve o nome aceito pelo governo dos EUA, mas precisa ainda do aval do Senado brasileiro após sabatina em 11 de agosto.

    *

    Folha - Qual será a principal mudança na política para os EUA no novo governo?

    Sérgio Amaral - A principal mudança é a restauração da confiança. Durante um bom tempo, houve um processo pendular das relações. Talvez nós tenhamos atingido agora o momento de maturidade da relação, em que não há mais razão para desconfianças. Não temos mais relação de dependência.

    Existem muitas oportunidades e caberá aos dois lados levar adiante os projetos. A participação do setor privado é muito importante, porque eles identificam melhor quais são essas oportunidades. Mas há projetos andando muito devagar, como a comissão [bilateral] de Educação, que não se reúne desde 2013, como também ocorre com o chamado diálogo global, que reúne os ministros de relações exteriores.

    Na sua opinião, o que atrapalhou a confiança entre os países nos últimos anos?

    O fato de as relações com os EUA não serem consideradas uma prioridade. Um exemplo é que a lotação da embaixada em Washington caiu de 23 diplomatas para 16.

    Claramente os governos anteriores, dentro de uma política mais geral de afinidade ideológica, não privilegiaram as relações com os EUA. O resultado é que não tivemos com os EUA nos últimos anos projetos mais importantes como tivemos com a Europa, a China.

    O ministro José Serra (Relações Exteriores) já disse que negociará barreiras não tarifárias com os EUA. Quais as prioridades do governo brasileiro?

    Existe uma série de medidas protecionistas que todos os países tomam e, no caso americano, há picos tarifários em algumas áreas que prejudicam as nossas exportações.

    Alguns setores são mais sensíveis, mas é preciso fazer um acompanhamento quase ano a ano [para identificá-los]. O etanol, por exemplo, era um setor muito protegido e hoje já há maior flexibilidade para exportar álcool. Algodão sempre foi subsidiado, o que inibe a exportação.

    Há chance de finalmente sair um acordo de eliminação de bitributação entre os dois países?

    Eu acho que deve se fazer um esforço mas é talvez um dos temas mais difíceis. Este assunto está na pauta Brasil-EUA há pelo menos uns 20, 30 anos e é difícil porque tem uma implicação com arrecadação das respectivas receitas federais.

    A questão que se coloca é saber quem arrecada: o país onde a produção se faz ou o país da origem da empresa?

    Se for no país onde a arrecadação se faz, evidentemente que a receita federal brasileira tem um ganho maior, porque os investimentos e a produção de empresas americanas no Brasil é muito mais alta do que o investimento de produção de empresas brasileiras nos EUA. Mas tem um conflito distributivo nessa questão e nenhuma receita abre mão da sua arrecadação.

    Vai depender do empenho que os ministros das áreas —Fazenda aqui e Finanças lá— tiverem para avançar neste assunto. No momento em que o Brasil tem uma grande preocupação fiscal, é mais difícil ele abrir mão da receita que vem da atividade das empresas americanas no Brasil.

    É possível fazer com que o Brasil avance no programa de isenção de vistos para os EUA?

    A eliminação de vistos é, no momento, mais difícil, porque eles têm um critério de nível de rejeição de pedido de visto abaixo de 3%. A gente já passou dos 3% ultimamente por causa da situação econômica.

    Na medida em que a situação econômica se deteriora, mais pessoas querem trabalhar nos EUA, e aí a imigração americana é mais rigorosa. Sendo mais rigorosa, há um percentual maior de vistos negados.

    Se antes já era difícil conseguir a isenção de vistos, agora essa dificuldade é maior.

    Há projetos que têm mais potencial de sair em curto prazo, como o "global entry" [que facilita a entrada de viajantes frequentes], a liberalização do comércio de carnes, os acordos de facilitação de comércio e o "Open Skies" [que liberaliza as rotas aéreas].

    Muitos diplomatas reclamam que o país perdeu expressão em Washington. O que pretende fazer para reverter isso?

    A gente precisa ter presente que a imagem do país fora depende muito da imagem dele aqui. Nós temos um processo de normalização, e tendo maior serenidade nas relações entre os poderes, é natural que isso vai se refletir no exterior.

    O segundo ponto importante é que haja uma recuperação da economia brasileira. Tudo isso vai contribuir para despertar maior interesse sobre o Brasil.

    Mas podemos também acelerar esse processo mediante uma presença maior nos debates sobre o Brasil em Washington. Quero ter na embaixada um espaço de debate sobre Brasil, e o único pedido que eu fiz Itamaraty foi a restauração do auditório da embaixada para isso.

    Uma das principais preocupações dos EUA na região é a Venezuela. O governo Temer pretende colaborar com EUA sobre o tema?

    Na nota que o Serra assinou sobre a Venezuela assim que tomou posse, está clara a posição do governo brasileiro. E isso foi antes de qualquer conversa com os EUA.

    O Brasil não está disposto a colaborar com nenhum país, e sim disposto a conversar, trocar ideias e buscar soluções se houver uma convergência entre essas ideias. Não estamos procurando uma referência para pensar a nossa política externa.

    A conquista de um assento permanente num Conselho de Segurança da ONU reformado ainda é prioridade?

    O Conselho de Segurança é uma legítima aspiração do Brasil por seu peso político e econômico. Agora precisa ver qual é o momento oportuno, porque, em governos passados, fizemos enorme investimento em recursos humanos e mesmo econômicos e não tivemos qualquer resultado. Quando essa oportunidade se mostrar um pouco mais evidente, o governo deve se empenhar por isso.

    Qual candidato à Casa Branca —Hillary Clinton ou Donald Trump— promete uma melhor relação bilateral para o Brasil?

    Por enquanto não acho possível fazer essa avaliação porque estaríamos comparando apenas os discursos eleitorais, e nós sabemos muito bem que nem sempre discursos eleitorais viram realidade —que foi o que aconteceu na última eleição brasileira.

    Mas os discursos eleitorais mostram que existe na sociedade americana tendências protecionistas. Essas tendências são claras no discurso de Trump e muito mais moderadas no de Hillary. Se o Brasil conseguir uma estabilização política, estará certamente qualificado como locutor importante qualquer que seja o governo.

    O governo cogita assinar um acordo de salvaguardas com os EUA que possibilitaria abrir a base de Alcântara para lançamentos espaciais internacionais?

    Esse é um assunto importante que possivelmente será tratado. É muito relevante para um programa espacial que o Brasil possa querer desenvolver aproveitar a enorme vantagem que a localização da base de Alcântara tem para o lançamento de foguetes.

    Todo acordo que contribuir para valorizar essa vantagem natural será muito bem recebido. Foi feita uma tentativa no governo passado de realizar esse processo com a Ucrânia e foi um fracasso.

    Se as condições forem julgadas favoráveis pela Aeronáutica, se o Congresso apoiar, acho que pode ser uma boa possibilidade —mas isso vai depender de uma avaliação na qual eu não tenho nenhum papel relevante.

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