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    Teorias da conspiração se proliferam ao baixar poeira de golpe na Turquia

    MEHUL SRIVASTAVA
    DO "FINANCIAL TIMES", EM ANCARA
    LAURA PITEL
    DO "FINANCIAL TIMES", EM ISTAMBUL

    20/07/2016 07h00

    Entre os mistérios ainda não desvendados do falido golpe de Estado turco havia este: o ataque na manhã de sábado realizado por um grupo em helicóptero contra um resort em Marmaris.

    Supostamente, o presidente Recep Tayyip Erdogan estaria lá. Mas o ataque ocorreu quase uma hora depois de que todos os canais de notícias da Turquia mostrassem imagens de Erdogan em discurso à nação no aeroporto em Istambul, a cerca de 750 km de distância.

    Esse episódio é uma das muitas inconsistências e fatos estranhos em um golpe de Estado com uma natureza amadora —quase suicida— que o predestinou ao fracasso e agora dá material abundante para teorias da conspiração.

    O fato de que a Turquia esteja tão polarizada —praticamente dividida entre os que amam e os que odeiam Erdogan— só aumenta as especulações.

    Mesmo a questão central sobre quem estava por trás do golpe é agora uma verdade duvidosa, de acordo com uma pesquisa-relâmpago: ela mostrou que um terço dos turcos acredita que o próprio Erdogan, que diz que sua própria vida foi ameaçada, estava por trás do golpe.

    (A pesquisa, feita pela Streetbees, com sede em Londres, consultou cerca de 2.800 turcos, dois terços deles através de aplicativos móveis, e um terço pessoalmente.)

    O ataque de helicóptero, ao lado de informações de que o avião de Erdogan foi perseguido por dois aviões de combate que nunca abriram fogo, para alguns, é a evidência de que sua vida nunca esteve realmente em perigo.

    "Os turcos, como muitas pessoas ao redor do mundo, se inclinam às teorias da conspiração - explicações simplistas para eventos complexos, para coisas que não entendem completamente", disse Ross Wilson, ex-embaixador dos EUA em Ancara agora no Conselho do Atlântico.

    "Será que Erdogan secretamente arquitetou isso, o que é um absurdo, ou será que foram os Estados Unidos, o que é igualmente absurdo?"

    DÚVIDAS

    Para os turcos, a dúvida inquietante sobre a veracidade das narrativas oficiais está enraizada na história.

    Em 1996, um acidente de carro fatal na cidade de Susurluk, perto de Istambul, revelou uma combinação improvável de companheiros de viagem: um chefe de polícia, um criminoso ultranacionalista, sua amante, rainha da beleza, e um parlamentar curdo.

    O caso expôs ligações obscuras entre agências estatais e grupos criminosos, e se tornou um escândalo nacional.

    Quem busca brechas na versão do governo para os acontecimentos sobre o golpe está particularmente concentrado em um comentário de improviso feito por Erdogan no sábado, onde ele chamou o golpe de "um presente de Deus para limpar o Exército totalmente".

    O zelo com que o seu governo, desde então, agarrou seus adversários, atirando contra eles ou detendo-os, em um total de cerca de 20 mil pessoas em dois dias, levantou questões sobre se o golpe fracassado lhe deu simplesmente a oportunidade de perseguir objetivos antigos.

    O GRANDE EXPURGO DE ERDOGAN - Prisões e demissões em massa após tentativa de golpe atingem diversos setores

    As autoridades turcas rejeitaram furiosamente essa percepção. Dizem que as listas dos detidos levaram muito tempo para serem feitas, resultado de investigações que mapearam suas redes, mas que não conseguiram detectar o golpe.

    "É engraçado que as pessoas ainda falem sobre isso", disse Ibrahim Kalin, porta-voz do presidente. "As pessoas que nos acusam [na Turquia] de teorias da conspiração agora estão apresentando esse material sem sentido como análise e comentário político. Se isso não foi um golpe, o que é um golpe?"

    "É comparável a defender que o 11 de Setembro foi orquestrado pelos EUA", acrescentou.

    ENCENAÇÃO

    Tanto on-line como em entrevistas pessoais, os turcos que acreditam que Erdogan encenou o golpe dizem que seu fracasso é prova suficiente —os militares neste país sabem como derrubar um governo, já que fizeram isso várias vezes antes.

    "A razão de as pessoas acreditarem nessa conspiração é que isso tem mais a ver com o plano para o golpe", disse Sinan Ulgen, ex-diplomata turco e presidente do Centro de Estudos Econômicos e de Política Externa de Istambul. "As pessoas neste país se lembram de golpes no passado. Elas já têm referências de como um golpe deveria parecer, e esse não se encaixou nisso."

    Para os EUA, também envolvidos na confusão das teorias da conspiração —algumas delas fomentadas por partidários de Erdogan—, a especulação, no final, exigiu esclarecimentos. Na noite de terça-feira, John Bass, embaixador dos EUA, emitiu um comunicado.

    "Algumas reportagens —e, infelizmente, algumas figuras públicas— especularam que os Estados Unidos apoiaram a tentativa de golpe, de alguma forma", dizia em parte. "Eu rejeito a narrativa que sugere que os Estados Unidos estão tentando minar a segurança turca e impedir que a Turquia seja um país forte e bem-sucedido."

    Pode ser que isso não ajude. Como Wilson, ex-embaixador na Turquia, assinalou: "A lógica hoje pode ser bastante diferente, mas a culpa sempre vai cair nos EUA".

    Tradução de DENISE MOTA

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