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    EI perde terreno no Iraque e na Síria, mas constrói rede global

    ISABEL FLECK
    DE SÃO PAULO

    24/07/2016 02h15

    Diante de representantes de 30 países reunidos em Washington na última quinta (21), o ministro da Defesa iraquiano, Khalid al-Obeidi, celebrou os avanços obtidos nos últimos meses contra o Estado Islâmico. A facção terrorista, segundo ele, controla hoje menos de 10% do território do país, onde já chegou a ocupar cerca de 40%.

    Estimativas sobre o "encolhimento" do território da facção divulgadas recentemente pelo governo americano e por consultorias especializadas em segurança também parecem animadoras.

    Azad Lashkari/REUTERS
    Soldados iraquianos carregam arma durante confronto com o Estado Islâmico perto de Mosul, no Iraque
    Soldados iraquianos carregam arma durante confronto com o Estado Islâmico perto de Mosul, no Iraque

    Brett McGurk, enviado dos EUA para a coalizão de combate ao EI, disse, no fim de junho, que a facção já perdeu 47% de seu território no Iraque e 20% na Síria desde seu apogeu, em 2014.

    Segundo o relatório mais recente da consultoria americana IHS, a área controlada pelo Estado Islâmico encolheu 12%, ou 9.700 km², nos primeiros seis meses do ano. Em todo o ano de 2015, os radicais tinham perdido 12.800 km². Somados, dá metade do Estado do Rio de Janeiro

    Hoje, de acordo com o IHS, o EI controla no Iraque e na Síria uma área de cerca de 68.300 km² –equivalente ao tamanho da Irlanda.

    A ofensiva sobre o território da organização, no entanto, é para muitos analistas o motor da multiplicação de atentados reivindicados pela facção nos últimos meses: Paris em novembro, Bruxelas em março, Orlando em junho, Bagdá e Dacca no início do mês, Nice e possivelmente o ataque em um trem na Alemanha nos últimos dez dias. Segundo a polícia alemã, o atirador que agiu em Munique na sexta (23) não tinha elo com o EI.

    Pressionados na Síria e no Iraque, os radicais, para demonstrar força, estariam organizando atentados ou se aproveitando de ataques feitos por indivíduos simpáticos à facção, assumindo sua autoria.

    "Com os ataques, o EI está tentando duas coisas: destacar que se expande e se torna mais perigoso globalmente, apesar da pressão na Síria e no Iraque, e mudar a narrativa da mídia a seu respeito. Afinal, quem se lembra da derrota do EI em Fallujah diante dos recentes atentados?", indaga o diretor do Centro de Terrorismo e Insurgência da IHS, Matthew Henman.

    Para Bruce Riedel, que trabalhou na CIA (inteligência americana) por 30 anos e hoje é o principal especialista em EI do Instituto Brookings, a ligação não é direta.

    "O EI estaria atacando na Europa e em outros lugares mesmo se estivesse conquistando território. As capacidades do EI estão amadurecendo: de sequestros e indivíduos solitários para os que agem em bando, como em Paris e Dacca", diz Riedel.

    "Ao contrário da versão de que estariam desesperados, eles estão colocando em prática suas ambições básicas."

    No mesmo encontro com ministros em Washington para discutir a ação contra o EI, o secretário de Estado americano, John Kerry, admitiu que a facção está se transformando "de um Estado espúrio em algum tipo de rede global".

    OLIMPÍADA DO RIO

    No Brasil, 11 suspeitos de planejar um atentado durante a Olimpíada do Rio foram detidos nesta semana. Parte deles teria feito juramento de lealdade ao EI por meio de um site, segundo o governo.

    Como em outros casos, contudo, é difícil comprovar uma real ligação dos suspeitos no Brasil com a estrutura da facção. No atentado de Nice, por exemplo, em que morreram 84 pessoas, o EI disse, no dia seguinte, ser responsável pelo ataque. Autoridades francesas, porém, afirmam não ter nada que ligue a milícia diretamente ao terrorista.

    "O ataque de Nice provavelmente foi apenas inspirado pelo EI. Os de Paris e Bruxelas foram orientados por ele. O Estado Islâmico é responsável pela mensagem que inspira atos violentos, e, em algumas vezes, têm o controle direto das ações", diz Riedel.

    O especialista destaca que, no caso de grandes eventos, como a Olimpíada, os serviços de inteligência de todo o mundo trabalham com o país anfitrião, compartilhando informações, para reduzir a possibilidade de atentado.

    "Não é garantia de que não vá ter um ataque terrorista, mas há uma resposta internacional reforçada a este risco."

    VITÓRIAS ESTRATÉGICAS

    A retomada de Fallujah pelas forças iraquianas, em junho, tornou-se o símbolo mais recente do "encolhimento" do EI, que inclui a perda de outros importantes redutos em 2016, como Ramadi e Abu Ghraib, no Iraque, e Palmira, na Síria.

    Das quatro principais cidades que o EI controla hoje, duas estão na mira: Mosul, considerada a capital da facção no Iraque, e Manbij, na Síria. O governo iraquiano diz que pretende retomar Mosul até o fim deste ano.

    Khalid al-Obeidi, ministro de Defesa do país, disse, em Washington, que precisaria de ajuda com bombardeios, inteligência e logística para reconquistar a cidade. Também afirmou que será necessária a ajuda dos peshmerga (Exército curdo no Iraque).

    No caso de Manbij, o grupo predominantemente curdo Forças Democráticas da Síria, apoiado por bombardeios dos EUA, tem realizado uma ofensiva há semanas.

    "Mais importante do que a porcentagem é a natureza estratégica do território perdido pelo EI: quase toda a área de fronteira entre a Síria e a Turquia, cidades icônicas como Ramadi, Tikrit e Fallujah e todos os principais pontos no trajeto entre Raqqa e Mosul, como Sinjar, Hawl e Shahdadi", disse no Senado americano Brett McGurk, enviado dos EUA para a coalizão de combate à facção.

    Editoria de Arte/Folhapress
    TERRITÓRIO MENOR EI perdeu controle de 12% de seu domínio em 2016, segundo consultoria

    Além de importantes cidades, a milícia perdeu, desde 2015, estruturas estratégicas, como a refinaria de Baiji, no Iraque, os campos de petróleo de Alas e Ajeel, no Iraque, e Kabiba, na Síria, e a represa de Tishreen, também na Síria.

    Com a ofensiva, as principais fontes de renda da facção –o petróleo e os "impostos" cobrados das populações das cidades tomadas– foram brutalmente atingidas.

    Segundo a consultoria americana IHS, a renda mensal do EI despencou de US$ 80 milhões no meio de 2015 para US$ 56 milhões em março deste ano.

    A queda na arrecadação e, portanto, nos pagamentos dos militantes, fez com que, segundo os EUA, o número de combatentes também caísse em até 45% desde 2014 –de 33 mil, para algo entre 18 mil e 22 mil.

    Segundo Matthew Henman, da IHS, os resultados do avanço contra o EI foram melhores no Iraque do que na Síria pela diferença de "complexidade" dos conflitos.

    "No Iraque, o embate é mais simples: o EI contra o governo iraquiano, apoiado por milícias [xiitas pró-governo] e por bombardeios dos EUA. Na Síria, o EI é só mais um grupo armado de um conflito maior", diz Henman, lembrando que os opositores da facção no país –regime sírio, curdos, oposição 'moderada', grupos militantes rivais– não só não estão unidos como lutam entre si.

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