Na Venezuela de Santa Elena de Uairén, cidade que faz fronteira com Pacaraima, no Estado de Roraima, não se vê filas nos supermercados -comuns no país assolado por grave crise de abastecimento.
Favorecida pelo comércio com o Brasil, de onde vêm os alimentos que estão em falta no resto do país, e pelo dinheiro do garimpo e outras atividades fronteiriças, a cidade é considerada pelos venezuelanos um "oásis".
"É a 'sucursal do céu'", diz o vendedor de carnes Rody Morales, em frente a um caminhão frigorífico que leva mercadorias a uma venda local.
Avener Prado/Folhapress | ||
Mercado com gôndolas abastecidas de produtos brasileiros, em Santa Elena do Uairén, na Venezuela |
Natural de Mérida, no noroeste venezuelano, ele e toda a família se mudaram para a fronteira. É na sua cidade natal que são criados os bois que vende –uma média de 400 por semana. "Mas lá ninguém compra, não há dinheiro", diz. O pai, psicólogo, e a mãe, professora, largaram as profissões para trabalhar no ramo.
"Aqui se toma café com açúcar. No norte, só vai açúcar quando tem", afirma o feirante Victor Villamizar, 30.
Ele vende frutas e verduras no mercado municipal de Santa Elena. Lá, há alimentos em quantidade, especialmente itens como melão, banana, abacate e mandioca. A maioria é produzida na cidade.
Já o arroz, a farinha, o açúcar e o óleo vêm quase todos do Brasil, e são mais caros -mas estão disponíveis, diferentemente do que ocorre em outras regiões.
Mesmo em pequenos mercados, as prateleiras estão cheias dos produtos.
Muitos moradores ouvidos pela Folha repetem a mesma frase, sobre os preços: "É caro, mas é um privilégio".
"Aqui eu como três vezes ao dia. Minha família, só uma", diz Héctor Miranda, 48, que se mudou de Ciudad Bolívar, a 700 km ao norte, para Santa Elena há seis anos.
FILAS RARAS
Filas em lojas, só nas de pneus: o produto está em falta no resto do país, mas, graças à proximidade com a fronteira, ainda se encontra em Santa Elena, que importa a mercadoria do Brasil.
Os países são ligados por uma rodovia, vigiada por algumas barreiras policiais. A ida até cidades fronteiriças é livre, e não precisa de autorização do governo. Muitos viajam ao Brasil para comprar comida.
A crise, no entanto, ainda se faz presente: em vez de pão, feito do escasso trigo, come-se massa de casabe (feita de mandioca) ou cachapa (de milho).
"O nosso prato principal virou a sopa", diz a comerciante Suzana Perez, 37, dona de um mercado. Misturam-se alguns vegetais, e pronto.
Pelas ruas, moradores fazem fila com botijões, à espera do caminhão de gás. O produto é barato e abundante, mas controlado e distribuído pelo governo –assim como a gasolina. Nos postos, pessoas passam horas esperando pelo combustível.
A crise, ainda que menos severa do que no resto do país, também desaqueceu o turismo. Brasileiros enchiam a cidade para comprar eletrônicos, autopeças e produtos importados, mais baratos devido ao câmbio favorável.
O comércio fronteiriço diminuiu, e lojas fecharam –mas a cidade continua a atrair novos moradores, especialmente venezuelanos.