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    Sequência de ataques quase diários semeia ansiedade na Europa ocidental

    STEVEN ERLANGER
    DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES

    26/07/2016 17h16

    Um novo horror parece se abater sobre as ruas da Europa ocidental quase a cada novo dia, matando ou ferindo homens, mulheres e crianças inocentes, alimentando tensões políticas e sociais e criando algo que já está sendo descrito como o verão da ansiedade.

    Um caminhão, um machado, armas de fogo, facões e bombas foram usados para matar e ferir. As vítimas incluem famílias que tinham saído para assistir a uma queima de fogos na glamorosa Riviera Francesa, adolescentes em um McDonald's, turistas num trem e fãs de música pop num show na noite de domingo (24).

    Três dos cinco agressores em menos de duas semanas declararam lealdade ao Estado Islâmico, mas nenhum deles parece ter sido orientado pelo grupo radical, e todos os ataques parecem confundir a separação entre terrorismo ideológico e violência motivada por raiva, rancor ou instabilidade mental.

    Essa própria incerteza –a ausência de um complô centralmente organizado ou de um vilão definido a quem atribuir a culpa– faz com que seja ainda mais difícil para França, Alemanha e o resto da Europa saber como reagir.

    A ausência de explicações claras torna as coisas ainda mais confusas num momento de mudanças políticas na Europa. Antes mesmo da sequência mais recente de ataques, o continente já assistia à ascensão do sentimento nacionalista e anti-imigrantes, e os partidos de extrema-direita estavam aproveitando esse ambiente para tentar conquistar nova legitimidade e poder.

    O sentimento populista e anti-imigração foi um fator poderoso que contribuiu para o voto britânico em favor da saída da União Europeia, no mês passado.

    O aumento recente na violência de alto perfil vem apenas oferecer mais oportunidades aos setores que defendem que se adote uma linha mais dura em relação à imigração de muçulmanos, ecoando, de muitas maneiras, a plataforma promovida por Donald Trump em sua campanha presidencial nos Estados Unidos.

    No fim de semana, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, teceu elogios a Trump, dizendo que as propostas do candidato republicano para combater o terrorismo são exatamente o que a Europa precisa.

    A França, que demonstrou união notável depois de sofrer dois ataques terroristas em 2015, assiste a críticas e disputas políticas crescentes desde o ataque que fez 84 mortos em Nice no dia 14 de julho. Na Alemanha, os ataques mais recentes tornaram mais tensas as relações entre o partido conservador da chanceler Angela Merkel e seu aliado na Baviera, no sul do país, onde há muito tempo existe oposição à decisão de Merkel no ano passado de receber 1 milhão de candidatos a asilo.

    A preocupação com as consequências sociais e com a segurança da nova onda de migrantes que chegam à Europa vindos da Síria, do Afeganistão e de outros países pobres e em guerra deixou a União Europeia com menos poder de barganha ao lidar com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, enquanto este reprime seus adversários na esteira de uma tentativa fracassada de golpe de Estado neste mês.

    O que é Estado Islâmico

    Erdogan fechou um acordo com a União Europeia para frear a maré de migrantes, e a Europa reluta profundamente em colocar esse acordo em risco, especialmente agora, com as novas preocupações de segurança ligadas aos migrantes.

    O mesmo tipo de ataque vem ocorrendo em outros lugares, incluindo na Flórida no mês passado. Mas a concentração de ataques em menos de duas semanas na Europa deixou o problema especialmente candente no continente.

    Encontrar respostas faz parte de um desafio de segurança e inteligência que já era conhecido. Mas, em alguns casos, é também um problema de imigração, assimilação e tolerância. E lembra a todos da atração que a possibilidade de um momento passageiro de fama ou infâmia pode representar, especialmente para pessoas problemáticas, que já apresentam tendência à violência, em uma era de mídias sociais e comunicações globais instantâneas.

    "Se você converte cada indivíduo em um agente independente, algumas pessoas tomarão iniciativas desagradáveis e colocarão suas fantasias em prática em tempo real. Mas, mesmo assim, elas sentem a necessidade de uma identidade que as ancore", disse François Heisbourg, presidente do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.

    Para algumas pessoas, ele disse, essa identidade é a jihad. "Pode acontecer em Orlando ou Nice", ele disse, "sem muita consulta prévia, sem muita estrutura ou trabalho em rede."

    Ali Sonboly, o jovem de 18 anos que matou nove pessoas em Munique na sexta-feira, pode ter sido alemão de origem iraniana, mas ele se inspirou em parte no massacre cometido cinco anos atrás em Oslo, Noruega, por Anders Behring Breivik, movido pelo ódio próprio de um supremacista branco.

    Segundo Heisbourg, Sonboly "quis deixar registrada sua existência como indivíduo", invadindo o Facebook para atrair pessoas ao McDonald's, "o casamento de barbárie absoluta e modernidade total".

    Sonboly agiu não como Estado ou organização, mas como indivíduo, e é muito difícil para as forças de segurança barrarem a ação de atores individuais. Mas os atos individuais destes atores, captados por smartphones e transmitidos por todo o mundo, podem ressoar mais fortes que qualquer tiro ou explosão.

    O ataque em Nice, França, foi lançado por um homem nascido na Tunísia, com um caminhão alugado. O caso desencadeou novas recriminações e acrescentou um novo elemento volátil às etapas iniciais de uma campanha presidencial em que os socialistas, liderados pelo presidente François Hollande, estão perdendo cada vez mais terreno para a direita e a extrema direita.

    As discussões acirradas e abertas sobre segurança e responsabilidade formam um contraste forte com as reações no país aos ataques do ano passado, quando houve um esforço para criar um clima de solidariedade nacional e política diante do terrorismo.

    As reações políticas em cada país ocorrem com o pano de fundo de uma onda global de transformações na qual o terrorismo é apenas um dos elementos componentes.

    "O mundo está mudando, e vemos isso manifestado de muitas maneiras, como novos centros de poder, o poder do indivíduo e da corporação, os marginalizados encontrando nova voz e a impressão de que a infraestrutura governante já não está à altura da tarefa que precisa cumprir no mundo de hoje", disse Xenia Wickett, da Chatham House, instituição de pesquisas sobre política externa, com sede em Londres.

    Para ela, as instituições estão tendo dificuldade em lidar com novos desafios do islã, da desigualdade, do terrorismo e da globalização. "Estamos tentando administrar essa transformação, e as pessoas não gostam de transformações", ela disse. "Esta é a nova normalidade, e ficamos muito ansiosos enquanto não conseguimos encontrar uma nova normalidade."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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