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    A convenção de Hillary foi feita para a TV, e a de Trump, para o Twitter

    JIM RUTENBERG
    DO "NEW YORK TIMES", EM FILADÉLFIA

    29/07/2016 08h24

    Hillary Clinton vem apresentando um show melhor para a televisão do que Donald Trump fez em Cleveland.

    As expectativas eram inversas. Trump é uma legítima sensação televisiva, ex-apresentador de um reality show de enorme sucesso. Ele tinha prometido levar um pouco de "showbiz" à convenção.

    Mas é Hillary que vem tendo todas as celebridades e os artistas musicais com quem sonham os programadores do "Tonight Show" —Alicia Keys, Meryl Streep, Paul Simon, Elizabeth Banks, Lenny Kravitz e Lena Dunham. É Hillary quem vem tendo um espetáculo de produção mais profissional. E, pelo menos nas duas primeiras noites, foi ela quem teve a audiência maior —uma diferença de alguns milhões de pessoas.

    Reprodução/Twitter/Jack Moore
    Meryl Streep vestida como Donald Trump esta noite e Christine Baranski adorou. Às vezes o mundo é perfeito.
    Meryl Streep vestida como o candidato republicano na corrida à Casa Branca, Donald Trump

    Sua equipe planejou seu programa para aproveitar ao máximo o grande prêmio de mídia que cabe aos candidatos indicados por um dos dois grandes partidos: o controle quase total de quatro noites do horário nobre da televisão nos canais de jornalismo a cabo e pelo menos uma hora na televisão aberta.

    O próprio Trump reconheceu a superioridade da convenção democrata quando telefonou na noite desta quarta-feira (27) para falar das diferenças entre os dois eventos.

    "Gostei dos dois shows", disse o candidato, se bem que, para ele, não será possível fazer uma avaliação correta até depois da última noite, com a comparação dos discursos e índices de audiência dos dois candidatos.

    Na Filadélfia, cada um dos discursos democratas teve sua própria finalidade: dinamizar a base (senador Cory Booker, de Nova Jersey, e as mães cujos filhos desarmados foram mortos pela polícia); atacar Trump (senadora Elizabeth Warren e atrizes Lena Dunham e America Ferrera); unificar o partido (Bernie Sanders e Bernie Sanders); engordar a biografia da candidata (Bill Clinton) e atrair eleitores independentes (Michael Bloomberg).

    As participações e os discursos foram cuidadosamente coreografados, de modo a não desperdiçar um segundo do precioso horário nobre.

    Mas, ao mesmo tempo em que ficou claro que os planejadores da convenção democrata estavam fazendo uma utilização muito melhor do tempo na televisão, a pergunta que paira sobre a campanha há um ano se manteve: será que isso tem importância?

    ESTRATÉGIAS

    Trump chegou até onde está graças a uma guerra assimétrica na mídia.

    Ele descartou táticas tradicionais de campanha como anúncios fartos na televisão e o trabalho sofisticado de direcionar mensagens a alvos seletivos, aperfeiçoado pelo presidente Barack Obama em suas duas campanhas.

    Em vez disso, encheu a televisão e o Twitter com um reality show constante, envolvendo múltiplas tramas, que, quando está funcionando com efeito máximo, priva seus adversários do oxigênio da mídia.

    Hillary segue as táticas tradicionais de mídia com as quais as eleições presidenciais sempre foram ganhas na era moderna: disciplina em suas mensagens, mesmo que exagerada (em vista de sua alergia grave a briefings para a imprensa); muitos anúncios na televisão e um trabalho clássico de cabos eleitorais indo de porta em porta.

    As convenções consecutivas são um grande estudo de caso que vai apontar qual abordagem vai funcionar melhor, e ainda levaremos algum tempo para saber a resposta. Até agora, Trump desafiou todas as regras tradicionais da mídia política. Se sua abordagem às convenções se revelar a mais eficaz, ele terá reescrito essas regras.

    Trump disse que vai acabar vencendo porque "nós temos uma mensagem e um mensageiro muito melhores".

    Entre os jornalistas que saíram de Cleveland, o consenso imediato foi que a convenção de Trump foi uma "bagunça acalorada", como escreveram alguns deles. O próprio Trump escreveu no Twitter na noite de terça-feira (26) que sua convenção foi "muito mais interessante". Seria mais exato dizer que ela atraiu o interesse mórbido das pessoas.

    O que a imprensa viu como uma bagunça confusa, os partidários de Trump consideraram inovador, uma mudança no sentido de que verdades foram ditas sem meias-palavras. E, pelo menos duas sondagens respeitadas, a CNN/ORC e a USC Dornsife/Los Angeles Times, indicaram um aumento das intenções de voto em Trump.

    Para Trump, isso mostra que ele conseguiu "o resultado pretendido" com sua convenção. "Eu subi mais nas pesquisas", ele disse.

    Os resultados das pesquisas são ainda mais surpreendentes quando se considera o seguinte: Hillary Clinton e os super PACs (comitês de ação política) que a apoiam já gastaram US$ 68 milhões com publicidade na televisão, contra menos de US$ 6 milhões gastos por Trump e os grupos que o apoiam, segundo a firma de rastreamento de anúncios Kantar Media.

    CAMINHO TRADICIONAL

    Nos últimos anos vem sido discutido se os comerciais de 30 segundos ainda funcionam tão bem na política quanto no passado. Mas sempre houve uma circunstância em que não havia muita dúvida quanto à eficácia deles: as raras ocasiões em que um dos lados podia colocar seus anúncios no ar sem ser contestado, ou quase.

    "Historicamente falando, a desigualdade na mídia paga funcionou bem para quem pôr gastar mais ou com mais eficácia", comentou Elizabeth Wilner, que monitora anúncios políticos para a Kantar Media. Agora, disse ela, "a disparidade está espantosa".

    Se essa disparidade na publicidade se mantiver e Hillary ainda assim perder a eleição, haverá repercussões que transcenderão a política nacional; o setor publicitário e seus clientes terão que reavaliar a eficácia de algo que há quase quatro décadas é visto como a mais importante ferramenta de marketing na história da mídia.

    David Plouffe, que ajudou a comandar a campanha de Obama em 2008, disse que a divulgação de candidatos na mídia é algo cujos resultados não aparecem rapidamente e cuja eficácia só poderá ser avaliada realmente em novembro. Todo o esforço visa motivar a combinação vencedora de eleitores a irem às urnas nos Estados cruciais no colégio eleitoral.

    "Não é uma peça em um só ato", ele disse. "Acho que o efeito cumulativo dos gastos inteligentes e da escolha inteligente de alvos de mensagens publicitárias ainda tem toda importância."

    Uma convenção tem o potencial de funcionar como a ferramenta máxima de divulgação: um infomercial de quatro noites no horário nobre, algo que pode "mudar a situação mais e em menos tempo que a publicidade", como me disse Kevin Sheekey, há anos assessor de Michael Bloomberg, o ex-prefeito de Nova York.

    O verdadeiro efeito das duas convenções não será conhecido por algum tempo ainda. E esse efeito definirá a dinâmica até o próximo grande evento na campanha eleitoral: os debates. Estoure sua pipoca!

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