• Mundo

    Sunday, 05-May-2024 14:13:07 -03

    Medo do terrorismo é uma vitória da propaganda, diz pesquisador

    DANIEL BUARQUE
    DE SÃO PAULO

    31/07/2016 02h00

    Reprodução
    O jornalista, pesquisador do Council of Foreign Relations e palestrante de Yale Graeme Wood
    O jornalista, pesquisador do Council of Foreign Relations e palestrante de Yale Graeme Wood

    A sequência de atentados reivindicados pela facção extremista Estado Islâmico (EI) na França, na Bélgica e na Alemanha integra uma estratégia de propaganda, e seus objetivos têm sido atingidos: o mundo está com medo do terrorismo, diz o pesquisador canadense Graeme Wood.

    O especialista, ouvido pelo Senado dos EUA (leia texto ao lado), adverte, porém, que é preciso dosar a preocupação. Apesar da atual onda de atentados, o medo é desproporcional ao custo humano real, e representa vitória da propaganda do terror.

    Em entrevista à Folha, por telefone, ele tratou da ideologia do EI e da "epidemia" da ideologia radical.

    *

    Folha - Por que temos visto mais atentados terroristas?

    Graeme Wood - Em maio deste ano houve uma mudança no Estado Islâmico. Até então, a facção defendia que seus seguidores se mudassem para seu território para construir um califado. Desde então, a recomendação passou a ser que atuassem no exterior. Isso explica por que estamos vendo tantos ataques, especialmente na Europa.

    De que forma atacar a Europa ajuda nos objetivos do EI?

    O objetivo do EI é incentivar as pessoas no mundo muçulmano a se levantarem. E eles só podem fazer isso se continuarem nas manchetes e com destaque na mídia em todo o mundo. Por isso eles atacam no exterior, para fazer propaganda.

    A imprensa joga o jogo deles?

    Em parte, sim. Um dos objetivos do ataque é criar medo, e não se consegue criar medo se ninguém presta atenção. A questão é dosar a atenção dada a eles. Se deixamos de ver que há outros problemas no mundo e passamos a focar só no EI, estamos fazendo exatamente o que eles querem.

    A imprensa francesa decidiu não mostrar mais o rosto dos terroristas. Isso é certo?

    Terroristas sempre buscam reconhecimento e glória, e não mostrar seus rostos diminui o incentivo a eles.

    Há evidências de que existe efeito de imitação em atentados, efeito de contágio. As pessoas são infectadas por ideias e é preciso analisar a epidemiologia de como esta ideologia está se espalhando. Normalmente há um "paciente zero", que pega a doença do EI e vai à Síria para se envolver mais com a ideologia. Essa pessoa volta a seu país e acaba convencendo outras pessoas.

    Até que ponto o EI está realmente envolvido nos ataques?

    O EI não tenta ganhar crédito por atentados que não tenham relação com ele. Podemos chamá-los de oportunistas, pois vão aceitar como sendo seus quaisquer tipos de ataques, desde que haja registro do autor do atentado jurando fidelidade ao EI.

    Não devemos temer o EI?

    O número de mortes causadas pelo EI ainda é pequeno. O medo não é proporcional ao custo humano dos ataques. Não que a ameaça seja insignificante, mas é preciso não exagerar.

    A Olimpíada muda o risco de atentados no Brasil?

    Se eu estivesse no Brasil, não gastaria muito tempo me preocupando com o EI. Se eu trabalhasse com a segurança dos Jogos, porém, pensaria seriamente no EI. Se o EI puder atacar a Olimpíada, ele certamente vai tentar. Mas talvez não seja muito provável.

    O EI tem reservatórios de apoio, e é difícil atacar onde essa reserva não existe. É por isso que vemos tantos ataques na Europa. O Brasil não tem uma demografia que torne fácil para o EI operar.

    *

    SOBRE O ENTREVISTADO

    Jornalista, pesquisador do Council of Foreign Relations e palestrante do departamento de Ciência Política da Universidade Yale, Graeme Wood apresentou um estudo sobre o Estado Islâmico em sessão do Senado dos EUA, em abril. Ele tratou da ameaça internacional representada pela facção terrorista como um fenômeno de massa e explicou que considera que parte do medo do EI não tem justificativa.

    Especialista na ideologia de seguidores do EI fora do território dominado pelo grupo, ele trata deste tema no livro "The War of the End of Times" (A guerra do fim dos tempos), que deve ser lançado no Brasil pela Cia. das Letras.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024