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    Trump evitou alistamento militar cinco vezes, indicam documentos

    STEVE EDER
    DAVE PHILIPPS
    DO "NEW YORK TIMES"

    02/08/2016 17h39

    Em 1968, aos 22 anos, Donald Trump parecia a perfeita imagem da saúde. Tinha 1,88 metro de altura, e porte atlético; havia jogado futebol americano, tênis e squash; e estava começando no golfe. Seu histórico médico era limpo, excetuada uma remoção de apêndice pela qual passou aos 10 anos.

    Mas depois de terminar a faculdade, no segundo trimestre de 1968, o que o tornava elegível para o serviço militar obrigatório e o combate no Vietnã, ele recebeu um diagnóstico que mudaria seu caminho: osteófitos (esporões ósseos) nos calcanhares.

    Yin Bogu/Xinhua
    O candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump
    O candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump

    O diagnóstico resultou em uma cobiçada classificação 1-Y, que adiava seu alistamento por motivos médicos e o isentava do serviço militar no momento em que os Estados Unidos tinham grande número de soldados estacionados no Sudeste Asiático, e em um ano no qual convocaram 300 mil jovens para as Forças Armadas.

    Esse adiamento de alistamento foi um dos cinco que Trump recebeu ao longo da guerra do Vietnã. Os demais foram por motivos educacionais.

    ESCRUTÍNIO

    A experiência dele naquele período está atraindo escrutínio renovado depois que os pais muçulmanos de um soldado norte-americano que foi morto no Iraque questionaram publicamente que Trump tivesse alguma vez se sacrificado por seu país.

    Em um discurso emotivo na convenção nacional do Partido Democrata, na semana passada, Khizr Khan, o pai do soldado, se dirigiu diretamente a Trump, o candidato presidencial do Partido Republicano, afirmando: "O senhor não sacrificou coisa alguma e pessoa alguma".

    Robyn Beck/AFP
    Os pais de Humayun Khan, morto no Iraque, discursam em convenção com foto do filho ao fundo
    Os pais de Humayun Khan, morto no Iraque, discursam em convenção com foto do filho ao fundo

    As declarações públicas de Trump sobre sua experiência com o alistamento militar conflitam ocasionalmente com os registros oficiais, e ele muitas vezes demonstra imprecisão ao recordar os detalhes.

    PROBLEMA DE SAÚDE

    Em entrevista ao "New York Times" no mês passado, Trump disse que os esporões haviam sido "temporários" - uma "pequena" doença que não havia tido grande impacto sobre ele. Ele disse ter consultado um médico, que encaminhou uma carta aos encarregados do alistamento, concedendo-lhe uma dispensa médica. Ele não conseguiu se lembrar do nome do médico.

    "Um médico me deu umas carta –uma carta muito forte sobre meus calcanhares", disse Trump na entrevista.

    Solicitado a fornecer ao "New York Times" uma cópia da carta, que ele obteve depois do quarto adiamento de seu alistamento por motivos educacionais, Trump disse que teria de procurar por ela. Um porta-voz do candidato mais tarde não respondeu a diversos pedidos por uma cópia da carta.

    Os registros do serviço militar obrigatório que ainda são preservados no Arquivo Nacional –muitos deles foram descartados– não especificam que problema médico isentou Trump do serviço militar.

    O adiamento médico de seu alistamento permitiu que Trump, que havia acabado de concluir sua graduação no programa de gestão de imóveis da Escola Wharton de Finanças e Comércio, Universidade da Pensilvânia, seguisse os passos do pai e se tornasse incorporador de imóveis, algo que ele estava ansioso por fazer.

    INVESTIGAÇÃO

    A história do alistamento de Trump foi revisada por outras publicações, começando em 2011, quando "The Smoking Gun" publicou seus documentos de alistamento. Mas um exame da história pelo "New York Times", incluindo entrevistas com Trump e com especialistas sobre a era, revelou novos detalhes.

    Por muitos anos, Trump, 70, afirmou que havia sido em última análise a "sorte" de tirar um número alto na loteria de alistamento que o manteve fora da guerra, e não o adiamento médico que obteve.

    Mas os registros de alistamento dele, obtidos nos Arquivos Nacionais, sugerem o oposto. Trump já estava isento do serviço militar, por motivos médicos, há mais de um ano, quando a loteria de alistamento entrou em operação, em dezembro de 1969, bem antes de ele ter recebido o que definiu como um número "fenomenal" no sorteio do alistamento.

    Por conta de sua isenção médica, seu número na loteria teria sido irrelevante, disse Richard Flavahan, porta-voz do Sistema de Serviço Seletivo, que trabalhou para a agência encarregada do alistamento por três décadas.

    "Ele já tinha sua classificação, e já existia a determinação de que não estava sujeito ao serviço militar sob as condições vigentes naquele momento", disse Flavahan.

    EDUCAÇÃO

    Trump admitiu se sentir um pouco "culpado" por não ter servido no Vietnã, e enfatizou que, se tivesse sido convocado, serviria.

    Depois do seu 18º aniversário, em junho de 1964, Trump se registrou junto ao Sistema de Serviço Seletivo, como todos os homens de sua idade. Foi logo depois que ele se formou na Academia Militar de Nova York, e Trump recordou preencher seus papéis em companhia de seu pai, Fred Trump, no escritório local de alistamento em Queens.

    No mês seguinte, ele recebeu o primeiro de seus quatro adiamentos por motivos educacionais, ao iniciar seus estudos de graduação, primeiro na Universidade Fordham, no Bronx, e mais tarde, depois de uma transferência, na Wharton School, em Filadélfia.

    Ele recebeu novos adiamentos por motivos educacionais no segundo, terceiro e quarto anos de seus estudos de graduação.

    CALCANHAR

    Quando a formatura de Trump estava se aproximando, a guerra do Vietnã havia se intensificado. A ofensiva do Tet, em janeiro de 1968, causou milhares de baixas às forças armadas dos Estados Unidos, e as batalhas se estenderam até o segundo trimestre daquele ano.

    No dia em que Trump se formou, 40 norte-americanos foram mortos no Vietnã. O Departamento de Defesa estava se preparando para convocar mais soldados.

    Com sua educação concluída, haveria pouco para impedir que alguém na situação de Trump fosse convocado, não fosse o diagnóstico do esporão de calcâneo.

    "Se você não tivesse base para isenção ou adiamento, teria recebido ordens de apresentação", disse Flavahan.

    MANOBRA CONTRA ALISTAMENTO

    Muitos homens da idade de Trump estavam em busca de maneiras de evitar a guerra, disse Charles Freehof, que na época trabalhava como conselheiro sobre alistamento no Brooklyn College, acrescentando que uma carta de um médico era uma opção especialmente efetiva.

    "Tínhamos poucos problemas de pessoas que voltassem a nos procurar para dizer que a carta de seu médico havia sido recusada", disse Freehof.

    Trump recebeu a classificação 1-Y, que era considerada como uma isenção temporária. Mas, na prática, apenas uma emergência nacional ou declaração oficial de guerra, duas coisas que os Estados Unidos evitaram durante o conflito no Vietnã, teria resultado em que ele fosse considerado para serviço militar.

    Nada disso ocorreu, e Trump continuou como 1-Y até 1972, quando sua classificação mudou para 4-F, o que o desqualificou permanentemente para o serviço militar,

    "Para todos os fins práticos, assim que você obtinha o 1-Y, estava completamente livre de qualquer exposição à convocação, mesmo depois que a loteria começou a funcionar", disse Flavahan.

    SACRIFÍCIO

    Ainda assim, Trump disse em entrevistas que acreditava que poderia ser submetido a um novo exame médico para confirmar o esporão de calcâneo, se o seu número de alistamento tivesse sido chamado. "Eu teria de ir, por fim, porque era um problema médico menor –o nome era 'problema médico menor'", ele disse.

    Mas os registros de alistamento de Trump que continuam disponíveis para o público incluíam as letras "DISQ" ao lado da data de seu próximo exame, sem qualquer indicação de que ele voltaria a sofrer exames.

    Desde que Khan o interpelou publicamente na convenção democrata da semana passada, Trump vem sendo pressionado sobre o seu sacrifício, por exemplo por George Stephanopoulos no programa "The Week", na rede de TV ABC no domingo.

    "Creio ter feito muitos sacrifícios", disse Trump a Stephanopoulos. "Trabalho muito, muito mesmo. Criei milhares de empregos, dezenas de milhares de empregos, construí grandes estruturas, tive imenso sucesso. Acho que realizei muito".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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