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    Após ataque em Dallas, centenas de pessoas se candidatam a ser policiais

    JACK HEALY
    DO "NEW YORK TIMES", EM DALLAS (TEXAS)

    03/08/2016 07h23

    Dakota Leierer, 22, trabalha há dois anos em turnos quinzenais nos campos petrolíferos do oeste do Texas, dormindo em um trailer e dirigindo quatro horas para ver sua mulher e seus dois filhos pequenos.

    Mas no último 7 de julho, quando um atirador matou cinco policiais em Dallas, Leierer decidiu que precisava mudar de trabalho. Resolveu que queria ser policial em Dallas.

    "Tudo o que está acontecendo no mundo —crises, comunidades que não se entendem, protestos", disse Leierer. "Isso mexeu comigo."

    As relações entre a polícia e o público estão especialmente difíceis, marcadas por tensões políticas e raciais. Mesmo assim, a morte de oito policiais no Texas e na Louisiana no mês passado lançou algumas pontes sobre a divisão entre a polícia e a população.

    Policiais em todo o país relataram ter sido objetos de gestos de bondade —pessoas que lhes pagam cafés e refeições, agradecimentos e orações espontâneas.

    O ataque a policiais em Dallas gerou outro resultado: um aumento do interesse em ingressar nas fileiras deles.

    EMPREGO FIXO

    Leierer, cuja família vive a uma hora de Dallas, enviou seu formulário de candidatura no dia seguinte à emboscada dos policiais.

    Foi uma das 467 candidaturas que inundaram o Departamento de Polícia de Dallas nas duas semanas seguintes ao ataque —mais de três vezes o número recebido em um período semelhante, um mês antes.

    A polícia informou que as candidaturas continuam a chegar, dando ao departamento, que tem 3.500 policiais, um pool de candidatos maior que o comum para encher sua academia de polícia, que nos últimos meses vem tendo dificuldade em encontrar recrutas.

    Veja o vídeo

    Para algumas pessoas, o anúncio de que a cidade está contratando policiais oferece uma oportunidade de um emprego fixo, com benefícios, apesar do salário modesto, do horário de trabalho variado e dos riscos.

    Mas para a prefeitura e a polícia, a enxurrada de candidaturas e telefonemas de possíveis recrutas são sinais de resiliência e apoio popular à polícia, como se centenas de pessoas, horrorizadas com o ataque seletivo contra policiais, estivessem se mobilizando para oferecer backup.

    "Nossos policiais correram para o incidente", comentou o prefeito, Mike Rawlings. "E é isso o que estes jovens estão fazendo: estão correndo para cá, para tomar o lugar dos policiais que morreram. É uma grande homenagem à vida dos policiais que tombaram."

    O vice-chefe de polícia Jeff Cottner, que comanda o treinamento de policiais, disse que o aumento nas candidaturas ilustra o ditado sobre levantar-se de novo e seguir adiante quando você leva uma rasteira da vida.

    Foi um tema reiterado por Hillary Clinton, que, no discurso que fez na convenção do Partido Democrata, na semana passada, disse que o aumento do número de candidatos a ingressar na polícia de Dallas mostra "como os americanos respondem quando é lançado um pedido de ajuda".

    EMBOSCADAS

    A reação acontece em um momento particularmente difícil para a polícia. As mortes de policiais aumentaram 8% em relação ao ano passado, com um aumento de 78% nas mortes de policiais por armas de fogo, incluindo mortes cometidas em emboscadas, como aconteceu em Dallas.

    No discurso que proferiu na convenção republicana no mês passado, Donald Trump disse que a América "está chocada até o âmago" com os assassinatos de policiais em Dallas e meia dúzia de outros Estados.

    Alguns dos candidatos disseram que querem ajudar a polícia. Outros falaram que gostariam de trabalhar em bairros onde os casos de jovens negros desarmados baleados por policiais endureceram anos de raiva e desconfiança. Eles admitiram que estão querendo entrar para o mundo da polícia em um momento conturbado.

    "Muita gente me falou 'não quero que você trabalhe para a polícia. Você não consegue encontrar outra coisa para fazer?", comentou Jamile Owens, que é afro-americano e tinha se candidatado a trabalhar para a polícia de Dallas um mês antes do ataque.

    O aumento nas candidaturas foi desencadeado por um chamado lançado ao público pelo chefe de polícia David Brown. Quatro dias após o ataque, ele falou francamente para o público sobre as dificuldades do trabalho policial e as necessidades do departamento de polícia.

    "Estamos contratando", ele falou. "Saia desse protesto e envie seu formulário para ser candidato. Assim colocaremos você no seu bairro e o ajudaremos a resolver alguns dos problemas contra os quais você está protestando."

    O aumento do interesse pela polícia talvez seja passageiro, do mesmo modo como o número de pessoas que se apresentaram para entrar nas Forças Armadas subiu depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 e voltou a cair durante as duas guerras que se seguiram aos ataques.

    RECRUTAS

    Há anos os departamentos policiais em todo o país vêm tendo dificuldades em encontrar recrutas qualificados —em especial mulheres e candidatos pertencentes a minorias— para empregos na polícia, em que mesmo a promessa de pensões e bons benefícios pode não representar atrativo suficiente.

    Depois dos protestos e da atenção da mídia voltada aos casos em que policiais dispararam contra homens negros em lugares como Ferguson, Missouri, Minnesota e Louisiana, a polícia disse que estava ficando ainda mais difícil persuadir civis a vestir uniforme da polícia.

    "Quem quer trabalhar nesse tipo de ambiente?", falou Cotner. "É um trabalho pouco atraente. É preciso ser realmente engajado com o que você faz."

    A polícia de Dallas vem tendo dificuldades em duas frentes: encontrar recrutas suficientes para a academia de polícia e impedir os policiais de migrar para outros departamentos de polícia que pagam salários melhores.

    Editoria de arte/Folhapress
    MORTES EM DALLAS Atiradores mataram cinco policiais e feriram ao menos sete agentes e dois civis durante manifestação contra a morte de negros pela polícia

    Os policiais de Dallas recebem salário inicial de US$ 44.658 por ano, segundo o site do departamento na internet, cerca de US$ 10 mil a menos do que pagam alguns departamentos de polícia próximos à cidade.

    A maioria das 467 pessoas que atenderam ao apelo e que farão o exame de serviço civil —o primeiro passo para serem contratadas— provavelmente nunca chegará a usar distintivo da polícia de Dallas.

    O departamento informa que contrata apenas 15% dos candidatos que são aprovados depois de um mês de verificações de antecedentes, exames de aptidão física, testes no detector de mentiras e entrevistas.

    APELO

    O guarda de segurança Jaiston Sawyer, 30, disse que se sentiu como se o apelo de David Brown tivesse sido dirigido especificamente a ele.

    Apesar de ser internauta afeito a expressar suas opiniões nas mídias sociais, disse Sawyer, depois do ataque em Dallas simplesmente postar uma resposta lhe pareceu trivial demais.

    Ele contou que candidatou-se a trabalhar na polícia na cidade onde vive, Denton, a noroeste de Dallas, e pretende se candidatar em Dallas também.

    "Quando você protesta on-line ou na rua, isso nunca dá em nada", falou Sawyer, que descreveu sua decisão à emissora Fox 4 News, em Dallas. "Mas vestir o uniforme policial faz diferença, sim."

    Sua mãe, Terri, contou que em um primeiro momento ficou apavorada, com a memória dos enterros dos policiais e do ataque no centro de Dallas ainda recente em sua cabeça. Ela e a namorada de seu filho se preocupam com a segurança dele. Perguntaram a Sawyer: "Por que agora?"

    "Eu queria ter uma participação real", disse Sawyer, que é negro. "Resolvi meter a cara."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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