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    Em raro pronunciamento, imperador japonês indica desejo de abdicar

    DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

    08/08/2016 06h36 - Atualizado às 11h15

    Koji Sasahara/Associated Press
    Telão em Tóquio mostra pronunciamento do imperador Akihito nesta segunda-feira (8)
    Telão em Tóquio mostra pronunciamento do imperador Akihito nesta segunda-feira (8)

    O imperador do Japão, Akihito, expressou preocupação nesta segunda-feira (8) sobre sua capacidade para continuar cumprindo com suas obrigações, sugerindo que espera uma reforma das leis que o obrigam a exercer o cargo até sua morte.

    "Estou preocupado pela dificuldade de cumprir com minhas obrigações como símbolo do Estado", declarou o monarca de 82 anos, que reconheceu ter às vezes "algumas limitações", como sua condição física.

    Akihito não pronunciou a palavra "abdicação" em seu discurso solene, já que a Constituição o obriga a exercer o cargo até sua morte e usar este termo seria considerado um ato político, algo que está proibido desde a rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial (1939-45).

    Por isso, sugeriu uma reforma das leis para contemplar a abdicação e criticou de forma velada o sistema de regência.

    A chamada lei sobre a Casa Imperial indica que uma regência está prevista "se o imperador não alcançar a maioridade" ou pode ser decidida "quando estiver sofrendo de uma doença grave, mental ou fisicamente, ou exista um obstáculo sério que o incapacite para exercer".

    O governo japonês não demorou a responder às palavras do imperador, encarando-as "com seriedade".

    "Levando-se em conta as obrigações do imperador, assim como sua idade e a carga (de seu trabalho), temos que ver firmemente o que podemos fazer", afirmou o primeiro-ministro, Shinzo Abe.

    PRONUNCIAMENTO RARO

    O pronunciamento de Akihito à nação foi o segundo na história a ser televisionado —o primeiro ocorreu em março de 2011, logo após o desastre nuclear de Fukushima.

    Antes disso, apenas seu pai, o imperador Hirohito, havia falado à nação, via rádio, ao anunciar a capitulação incondicional do Japão na Segunda Guerra, em 15 de agosto de 1945.

    Akihito confessou que "de tempos em tempos" se pergunta se seria possível evitar que o Japão enfrente a morte de seu imperador em exercício, já que o luto e todos os atos funerários são muito pesados.

    O imperador, que reina há 27 anos em nome do "cumprimento da paz", sugere, assim, de maneira velada seu desejo de modificar o regime imperial para permitir que ele transmita em vida suas funções ao filho mais velho, o príncipe-herdeiro Naruhito.

    "O imperador desejaria seguir, mas por outro lado seu temperamento e a consciência de sua forte responsabilidade fazem com que tema cometer erros e gerar problemas, e isso o preocupa muito", explicava há alguns dias à rede NNN seu colega de juventude Mototsugu Akashi, que o visita regularmente.

    Os imperativos de calendário do imperador e do governo fazem com que este discurso excepcional ocorra em meio aos eventos em memória dos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki, e ao 71º aniversário do fim da Segunda Guerra.

    FUNÇÃO DO IMPERADOR

    Hirohito, que era um semideus no trono do Crisântemo (como é conhecido o trono imperial japonês) desde 1926, foi despojado desse status divino, mas seguiu reinando até sua morte, no início de 1989.

    Akihito mudou com sutileza as tradições, e suas declarações desta segunda-feira podem representar um novo passo na modernização do regime imperial japonês. Embora não sejam muito midiatizadas, as funções de representação do Estado que cabem ao imperador são intensas, como destacou em 2013 seu filho mais novo, Akishino, o segundo na linha sucessória do trono.

    O imperador deve assinar diversos textos de lei, tratados e outros documentos transmitidos pelo governo (mil no ano passado), acompanhar diversas recepções (270 em 2015) e receber representantes de Estado estrangeiros.

    Uma pesquisa da agência Kiodo indicava na semana passada que 85% dos japoneses apoiariam um alívio das funções do imperador se ele assim desejasse. O soberano e a imperatriz Michiko são imensamente respeitados pela imagem de prudência que souberam passar e pela compaixão sincera expressada às vítimas de catástrofes naturais sofridas pelo país.

    BIOGRAFIA

    Akihito, 125º imperador japonês, nasceu em 23 de dezembro de 1933, quando o Japão estava em plena conquista militar na Ásia e ocupava a península Coreana e parte da China. Tem um irmão, o príncipe Hitachi, e cinco irmãs —Hitachi é o quarto na linha sucessória, já as irmãs não são consideradas.

    Quando sucedeu seu pai, em 1989, assumiu com humildade e sabedoria suas funções como "símbolo da nação e da unidade do povo". A família imperial japonesa é considerada por historiadores a mais antiga do mundo, com origens que remontam a 2.600 anos atrás.

    Ao longo de seu reinado, Akihito, que estudou ciência política na prestigiada universidade de Gakushuin, se esforçou para fechar as feridas abertas pela guerra através de peregrinações aos locais das atrocidades cometidas pelo Exército japonês na Ásia.

    Antes de chegar ao trono do Crisântemo, quebrou as tradições ao se casar, em 1959, com Michiko, plebeia filha de um comerciante de cereais que conheceu em um clube de tênis.

    PRÍNCIPE-HERDEIRO

    O príncipe-herdeiro Naruhito, 56, parece seguir os passos de seu pai, já que em várias ocasiões convocou uma nova reforma para que a dinastia imperial entre no século 21, principalmente quando a pressão das tradições afetava sua mulher, a diplomata Masako.

    "Será preciso redefinir os limites das obrigações imperiais para que se adaptem às mudanças de nosso tempo", declarou Naruhito há alguns anos.

    Para o herdeiro do trono, o Japão não deve minimizar as atrocidades cometidas por seu exército no século 20 e deve olhar "com humildade" o passado, para trabalhar em benefício da "paz e da prosperidade no mundo".

    Depois de chegar ao trono, Naruhito deve promover uma monarquia mais aberta e acessível, ampliando os esforços feitos por seu pai há 27 anos, a quem substituiu por um breve período em 2012, quando Akihito se submeteu a uma operação cardíaca.

    Com um perfil bastante discreto, como seu pai, com quem se parece fisicamente, Naruhito se formou em história no Japão e depois estudou na universidade britânica de Oxford.

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