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    Diante de crise devido a tentativa de golpe, Turquia acena à Alemanha

    DIOGO BERCITO
    DE MADRI

    18/08/2016 02h00

    Enquanto prossegue com o expurgo na Turquia, detendo milhares na sequência de uma tentativa frustrada de golpe de Estado em julho, o presidente Recep Tayyip Erdogan acena à Alemanha.

    Ali vive a maior diáspora turca, estimada em 3 milhões incluindo descendentes. O país é um importante tabuleiro para seu jogo político. A Alemanha, porém, se incomoda com a influência.

    Desde a tentativa de golpe em 15 de julho, que deixou ao menos 240 mortos, a comunidade turca na Alemanha viu-se dividida.

    Parte dela alinhou-se com o presidente. Uma manifestação em massa em Colônia em 31 de julho foi demonstração de sua força. Outra parte se vê em uma posição mais delicada. Pequenos negócios ligados ao movimento do clérigo Fetullah Gülen, acusado por Ancara de ter planejado o golpe, têm sido boicotados.

    Novas Alianças

    Michael Müller, prefeito de Berlim, afirmou no domingo (14) que o conflito turco não será disputado em sua cidade. A um jornal local, Müller disse ter recusado o pedido de um membro do governo turco para que enfrentasse o movimento Gülen em Berlim e, se necessário, apoiasse medidas contra ele.

    A tentativa de golpe na Turquia teve grande impacto na comunidade turca vivendo na Europa Ocidental, segundo Özcan Mutlu, parlamentar alemão de origem turca pelo Partido Verde. "Muitos turcos culparam o governo alemão por não ter tomado uma posição", disse à Folha.

    A maior parte dessa diáspora votou, nas últimas eleições, no partido governista. Em parte porque a primeira geração de imigrantes é mais conservadora, afirma o político. Também porque seus filhos, apesar de terem nascido na Alemanha, não se sentem parte dessa sociedade.

    Diplomacia turca

    "Erdogan é o homem forte que está afirmando: tenham orgulho de sua cultura, de sua religião, de sua língua."

    Para além do voto, o governo turco está interessado no apoio de cidadãos dentro do bloco europeu. "Muitos deles têm direito a votar nas eleições alemãs, e Erdogan pode tentar manipulá-los, pedindo que não votem na chanceler Angela Merkel", exemplifica Mutlu.

    INTERNACIONAL

    Para além dos avanços na Alemanha, a Turquia tem realinhado sua política externa após a tentativa frustrada de golpe. Já havia movimentação diplomática nesse sentido, reaproximando-se de Rússia e Israel antes mesmo dos embates, mas a crise política catalisou a estratégia.

    Erdogan reuniu-se recentemente com Vladimir Putin, presidente da Rússia, pela primeira vez desde que a Turquia derrubou um avião russo na fronteira síria em novembro. Havia troca de acusações entre ambos.

    "O governo sabe que precisa quebrar o isolamento", disse à Folha Christoph Ramm, da Universidade de Berna (Suíça). "Erdogan está sendo nacionalista, mas também pragmático. Ele pensa agir pelo interesse do país, ou do partido."

    Uma aliança de Erdogan e Putin afasta ainda mais a Turquia dos EUA —dos quais Ancara exige a extradição de Gülen, tensionando as relações— e da Europa Ocidental.

    O governo turco se ressente do que lhe parece uma interminável lista de exigências para, por exemplo, entrar na União Europeia ou ao menos receber a isenção de visto.

    Europeus e Turquia haviam acordado que Ancara conteria o fluxo de refugiados vindo da fronteiriça Síria, em guerra desde 2011, em troca de auxílio financeiro e da facilitação de vistos.

    Também incomoda a Erdogan as repetidas críticas vindas de países europeus.

    Nesta semana, em meio a uma polêmica sobre o abuso infantil na Turquia, Ancara convocou membros dos governos da Áustria e da Suécia para protestar contra seus comentários negativos.

    O governo turco afirma, ademais, não ter recebido apoio o suficiente da União Europeia e dos EUA depois da tentativa de golpe em julho.

    Para Ramm, da Universidade de Berna, líderes europeus ainda não entenderam o quanto a tentativa recente de golpe é amplamente condenada dentro da Turquia.

    "Deveriam ter apoiado a sociedade civil turca", diz. "Há hoje um sentimento de que estão eles sozinhos, durante uma crise, e Erdogan se apresenta nesse cenário como líder incontestável."

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