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    DW

    'Ninho terrorista', Molenbeek vira atração turística em Bruxelas

    DA DEUTSCHE WELLE

    18/08/2016 17h06

    "Acreditem em mim, Molenbeek é realmente um lugar único!", anuncia o guia Erik Nobels no início da visita guiada. Ele apresenta o distrito de Bruxelas para cerca de vinte assistentes sociais da Alemanha, França, Espanha, Itália, Áustria e Estônia. "Em nenhum outro lugar você vai encontrar tantos projetos sociais como aqui", garante.

    E rapidamente fica claro o que Nobels quer dizer: na Rue des Ateliers é possível encontrar uma instituição atrás da outra. Não há praticamente nenhum edifício nessa rua estreita que não abrigue um projeto social.

    Nobels desperta o interesse dos visitantes. Eles levantam seus smartphones e câmeras e fotografam o que o guia lhes mostra: centros de juventude, oficinas para desempregados, espaços para co-working e salão de exposições sem fins lucrativos.

    A grande quantidade de instituições sociais deixa pasmos os participantes da visita guiada. Alguns tocam as campainhas nas portas, mas ninguém as abre. Durante as férias de verão na Europa, as instalações estão fechadas. Então só lhes resta dar uma espiada nos playgrounds construídos nos pátios dos edifícios, antes de o grupo deixar a Rue des Ateliers e continuar o passeio.

    A má reputação de Molenbeek transformou o distrito em objeto de pesquisa. "Seria necessário quase um catálogo. Para cada tema, para cada problema existe uma iniciativa ou uma associação", afirma o guia, em tom de brincadeira. Há anos que o distrito de Bruxelas é conhecido por seus problemas sociais, e isso levou um grande número de assistentes sociais e pedagogos a iniciar projetos no local.

    'TURISMO DE GUETO'

    "Eu me sinto como se estivesse fazendo turismo de gueto na África do Sul", comenta o turista austríaco Jerry, que viajou de Viena para Bruxelas. Durante um ano, ele e seus colegas organizaram oficinas em escolas de toda a Europa sobre o tema integração. O passeio pelo "ninho terrorista" de Bruxelas é parte do evento de encerramento do projeto, do qual Jerry participa com certa relutância. "Se pessoas querem conhecer distritos como Molenbeek, elas deveriam fazê-lo por conta própria e ter sua próprias experiências", diz.

    Nobels não concorda com as críticas. Suas visitas guiadas foram recebidas de forma positiva pelos moradores, e ele não teve, até o momento, uma experiência de rejeição. E também a alta procura pelo passeio parece dar-lhe razão. O principal negócio de Nobels são os passeios em Molenbeek com turistas que procuram um pouco de emoção.

    "Desde os ataques, certamente menos turistas vêm à cidade. Mas os que vêm querem saber o que está acontecendo aqui e também querem visitar Molenbeek", diz. Ele assegura que seu negócio não registrou recuo por causa do terrorismo.

    SUCESSO DE INTEGRAÇÃO

    Nesta manhã chuvosa, os clientes de Nobels não veem muitos moradores do local. Uma hora, um homem mais velho vestido com um caftan muçulmano —um casaco ou sobretudo abotoado pela frente, e que chega até os joelhos —passa pelo grupo. Ele para, ouve brevemente a visita guiada, cumprimenta Nobels e continua seu caminho com um sorriso no rosto.

    Algumas mulheres empurram carrinhos de bebê pelas ruas vazias. A próxima parada do passeio de Nobels é num centro de línguas e aconselhamento. Aqui, imigrantes podem aprender a língua flamenga e receber conselhos sobre questões administrativas do dia a dia. A jovem recepcionista usa um lenço na cabeça, e sua colega tem cor de pele escura.

    "É exatamente isso que eu acho muito legal em Bruxelas!", afirma Tito, um jovem espanhol que se mudou há um ano de Saragoça para a Bélgica para trabalhar num centro de refugiados da Cáritas, braço humanitário da Igreja Católica. "Na Espanha, jamais haveria duas mulheres de origem estrangeira trabalhando numa recepção. Somente espanholas estariam lá", afirma Tito. Esse é um dos motivos pelos quais ele quer ficar na Bélgica.

    O grupo de Nobels segue para o mercado semanal de Molenbeek, onde legumes, frutas e artigos domésticos são vendidos. Os assistentes sociais fotografam os visitantes do mercado, e dois participantes chegam até a gravar um breve vídeo. Não sobra tempo, porém, para que os participantes entrem em contato com os moradores de Molenbeek. O ponto alto e, ao mesmo tempo, fim da visita guiada ainda está por vir: a instituição social Heksenketel.

    Yves Herman/Reuters
    People shop at a market in the neighbourhood of Molenbeek, where Belgian police staged a raid following the attacks in Paris, at Brussels, Belgium November 15, 2015. Belgian authorities say two of the gunmen who staged the deadly assaults on Paris on Friday were from the capital Brussels, and its poorer municipality of Molenbeek. Police detained several people in the mainly Muslim neighbourhood, and brought a bomb disposal van to the area. REUTERS/Yves Herman ORG XMIT: YH01
    Pessoas em mercado de rua do bairro de Molenbeek, em Bruxelas, em 2015

    SURPRESA

    Aqui, perto do canal que divide Molenbeek do centro de Bruxelas, jovens podem frequentar, no andar térreo, treinamentos para se tornar artesãos. Já no primeiro andar há um restaurante, onde é possível aprender profissões como cozinheiro e garçom. No pátio, os alunos cultivam legumes numa área, e o que é colhido vai para os pratos.

    Geralmente, turistas guiados por Nobels dão mais atenção para a cena terrorista do que para os sucessos e problemas de integração existentes em Molenbeek. A Rue des Quatre-Vents, onde a polícia prendeu Salah Abdeslam poucos dias antes dos ataques em Bruxelas, como também a casa dos pais dele fazem parte do programa.

    Mas Nobels dá um forte apoio aos turistas que têm um pouco de medo. "A maioria dos turistas fica muito impressionada quando veem como Molenbeek realmente é. Muitos imaginam um local triste e negligenciado, cheio de criminosos e ficam surpresos com a quantidade de parques públicos e centros de juventude que temos por aqui", afirma.

    A questão de por que, apesar de todo o esforço social e sucesso de integração, muitos jovens de Molenbeek preferem se voltar para o islã radical deixa Nobels sem resposta. "Para ser honesto, eu não sei. Talvez seja tudo um pouco demais aqui. Talvez aqui, em Molenbeek, tudo seja colorido, bom e limpo demais, e, para muitos jovens, essa oferta não diz nada", comenta.

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