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    Sem acordo, Colômbia seguirá em guerra, diz ex-presidente colombiano

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A BOGOTÁ

    21/08/2016 02h00

    A vida política de César Gaviria, 69, foi marcada pela violência colombiana em suas várias formas, do narcotráfico nas cidades à guerrilha nas áreas rurais.

    Nascido em família com tradição na política, o economista liberal virou candidato a presidente quando o favorito para as eleições de 1989, Luis Carlos Galán, foi morto a tiros em um comício. A Colômbia vivia o auge da violência das facções da droga, e Gaviria se tornou alvo favorito do líder do cartel de Medellín, Pablo Escobar (1949-93).

    Na campanha, escapou de ameaças e de um atentado planejado por Escobar, que mandou explodir um voo da Avianca de Bogotá rumo a Cali. Os planos de Gaviria mudaram na última hora, e ele não embarcou. O avião explodiu, matando 107 pessoas.

    Vencida a eleição, comandou uma perseguição a Escobar e seu bando que culminou no assassinato do líder criminoso, em 1993. Para quem assistiu à série Narcos, da Netflix, o ex-presidente é um personagem conhecido, interpretado pelo ator mexicano Raúl Mendez.

    Hoje, Gaviria lidera a campanha do sim no plebiscito (ainda sem data) que aprovará ou vetará o acordo de paz entre o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). A assinatura do pacto, em fase final de negociação, em Havana, é esperada para as próximas semanas.

    A Corte Suprema avalizou um patamar de aprovação para o sim de apenas 13% do eleitorado (na lei, deveria ser de 50%), ou 4,5 milhões de votos, para validar o acordo.

    Ainda assim, pesquisas mostram avanço do não em meio à intensa campanha de adversários políticos do presidente Juan Manuel Santos, como seus antecessores Álvaro Uribe (2002-10) e Andrés Pastrana (1998-2002).

    Leia, abaixo, a entrevista que Gaviria deu à Folha, em seu escritório, em Bogotá.

    Sáshenka Gutiérrez/Efe
    ORG XMIT: MEX17 MEX17. CIUDAD DE MÉXICO (MÉXICO), 07/03/2013.- El exgobernante colombiano, César Gaviria, habla hoy, jueves 7 de marzo de 2013, durante una entrevista con Efe, en Ciudad de México, donde declaró que Venezuela va a vivir "una transición democrática pacífica" y "serena" tras la muerte del presidente Hugo Chávez, aunque no será simple ya que coincidirá con un momento de "ajuste económico". El exmandatario colombiano (1990-1994) participa desde ayer en el foro regional "Seguridad Ciudadana, Políticas sobre Drogas y Control de Armas", que se celebra en las instalaciones del Tecnológico de Monterrey (TEC). EFE/Sáshenka Gutiérrez
    César Gaviria, ex-presidente colombiano e ex-secretário-geral da OEA, em imagem de 2013

    Folha - O sr. afirmou que, na campanha do sim para o plebiscito, será necessário um discurso para a zona rural e outro para as cidades. Por quê?

    César Gaviria - Na Colômbia, os cidadãos estão divididos em dois grupos. O primeiro é a população do campo, pois esta guerra com as Farc foi fundamentalmente rural.

    Para essas regiões, onde a imensa maioria foi, de alguma forma, vítima da violência, reforçar que o acordo significará o silenciamento dos fuzis já é motivo para que respaldem o plebiscito.

    Enquanto isso, nas cidades, a guerra parece mais distante.

    É preciso lembrá-los das vantagens que o país terá com a paz. Dizer-lhes que, com menos violência, poderemos destinar mais recursos aos problemas sociais, melhorar a segurança das cidades e ter uma taxa de crescimento maior [o governo estima um aumento extra do PIB em 2 a 3 pontos, se a guerra acabar]. Mais importante, o país deixa para trás o pesadelo de uma guerra de mais de 50 anos.

    Pesquisas mostram que a maioria dos colombianos é favorável à paz, mas há pontos do acordo com alta rejeição, como o da Justiça especial, que pode amenizar penas e conceder indultos. Mais de 80% dos colombianos querem os ex-guerrilheiros presos. Como convencê-los?

    Estamos estruturando essa Justiça transicional sob os preceitos do Estatuto de Roma, que inclui vários pontos: verdade, Justiça, reparação e não repetição [o acordo prevê que quem confessar e trouxer informação sobre a guerra terá a pena reduzida]. Aplicaremos o direito internacional humanitário, mas não haverá ampla anistia. Delitos de lesa humanidade serão punidos.

    O Estatuto de Roma não diz que todos os condenados têm de ser levados à prisão, e sim que devem ser punidos [um dos pontos prevê que ex-guerrilheiros não irão para prisões comuns, mas para lugares de movimentação restrita sob vigilância].

    Os dois lados estão de acordo sobre quem escolherá os membros desse tribunal. Convidamos, entre outros, o papa, o secretário-geral das Nações Unidas, as universidades públicas da Colômbia e a Corte Suprema de Justiça. Se aceitarem, eles escolherão os magistrados estrangeiros e colombianos dessa corte.

    Há detalhes travados sobre o item Justiça?

    A definição de como vão ser os tribunais está tomada, faltam detalhes. Dos 75 pontos do item, chegamos a um acordo em 71. É um acordo técnico e complexo. Não irão para esse tribunal só ex-guerrilheiros, mas também militares e civis que tenham participado de episódios de violência ligados ao conflito.

    A Justiça para os guerrilheiros será um pouco diferente da dos militares. Mas o tribunal será o mesmo.

    A guerrilha quer participar de eleições e também integrar o poder de forma mais direta. Por isso demoraram a aceitar o plebiscito [as Farc preferiam uma Assembleia Constituinte para referendar o acordo]?

    Esse tema é um dos poucos pontos que falta fechar.

    Há uma série de regiões onde as Farc atuaram e nas quais terão direito de se candidatar ao Legislativo. Não serão escolhidos a dedo nem pelas Farc nem pelo governo, terão de ser eleitos. Porém, e estamos negociando, possivelmente vai haver alguma forma de representação política direta. Isso está na mesa de debate neste momento.

    O ex-presidente Álvaro Uribe está muito ativo para impedir a aprovação do acordo. Houve tentativas de convencê-lo a mudar de ideia [Uribe foi padrinho político de Santos, mas após a eleição viraram rivais]?

    Muitas. Todas frustradas, não se conseguiu nem sequer marcar uma reunião com ele.

    As afirmações de Uribe causam danos?

    Os que defendem o não dizem que se pode dizer não agora e depois renegociar. É um argumento enganoso. Se Santos, após quatro anos de uma negociação difícil, não consegue os votos para o sim, será preciso criar outra oportunidade, sob outo governo [há eleições em 2018] e em outro contexto, que desconhecemos.

    Outro ex-presidente, Andrés Pastrana, também se pronunciou contra o acordo. Por quê?

    Pastrana diz que estamos entregando o país às Farc, mas foi ele quem o fez, pois sua gestão lhes outorgou um território imenso que a guerrilha usou para se fortalecer, treinar, manter os sequestrados. Prometeu um acordo que nunca levou adiante. Ele não tem autoridade para se opor a essa negociação.

    Segundo, ele diz que estamos entregando o país ao narcotráfico. Mas temos o apoio do presidente Barack Obama no item sobre o narcotráfico. Pastrana não pode ser mais papista que o papa.

    O que é aceitável em termos de acordo sobre narcotráfico para o governo dos EUA não pode ser considerado pelo ex-presidente como uma entrega do país ao narcotráfico.

    Diversos países da América Latina estão envolvidos com o acordo. O Brasil tem estado ausente nesta reta final?

    Todos os países da América Latina estão com a Colômbia nesse acordo. Há alguns mais envolvidos: México, Equador, Venezuela, Peru e Chile. O Brasil, em tempos recentes, está mais ausente, mas no passado o governo do Brasil teve papel importante.

    Sua vida política foi marcada pela violência na Colômbia. Como o sr. vê esse desenlace?

    O país teve distintas fases de violência. Essa mistura foi complexa, mas a Colômbia foi adiante, progrediu, teve uma taxa de crescimento do PIB alta [o FMI espera 2,5% em 2016]. Hoje é um dos países mais bem-sucedidos da América Latina. Sou otimista, com o fim da guerra vamos progredir muito mais.

    Seria o momento ideal para a região discutir alternativas à guerra ao narcotráfico?

    Esse é um tema em que não se pode avançar se os grandes países consumidores não se moverem nesse sentido.

    A Europa o fez, adotando políticas mais pragmáticas. Os EUA estão apenas começando o processo. Tomara que sigam esse caminho. Colocar pessoas na prisão por consumo de drogas é um erro, é contraproducente.

    Trata-se de esperar que os países consumidores mudem?

    Não. Na América Latina começamos a ter problemas de segurança nas grandes cidades por causa do aumento do consumo local. Isso está ocorrendo no Brasil e na Colômbia. Logo teremos de pensar em editar políticas inteligentes, se não quisermos que se acentue a violência.

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