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    Criadora do burquíni defende traje como forma de integrar muçulmanas

    DIOGO BERCITO
    DE MADRI

    22/08/2016 02h00

    No século 19, europeus entravam no mar saindo de casinhas ambulantes de madeira, evitando assim os olhares indiscretos. Na década de 1940, o biquíni levou conservadores a ruborescer.

    Em 2016, o escândalo na França são mulheres cobrindo-se demais. Municípios costeiros, como Cannes e Nice, proibiram recentemente o uso do burquíni, traje que cobre todo o corpo, menos o rosto.

    Essa vestimenta é hoje associada, na França, ao islã radical e à submissão da mulher. Sua criadora, uma australiana de origem libanesa, discorda. À Folha Aheda Zanetti, 48, diz que esse veto é uma maneira de segregar.

    "Eles não vão conseguir nos impedir de nos vestir ou de nos desvestir", diz. "Nós, mulheres muçulmanas, vamos fazer o que quisermos."

    Fethi Belaid/AFP
    A Tunisian woman wearing a "burkini", a full-body swimsuit designed for Muslim women, walks in the water with a child on August 16, 2016 at Ghar El Melh beach near Bizerte, north-east of the capital Tunis. / AFP PHOTO / FETHI BELAID ORG XMIT: 3058
    Mulher tunisiana vai à praia nas proximidades de Tunis usando o polêmico burquíni, este mês

    De bom humor, mas cansada da controvérsia, ela diz que as notícias recentes ajudaram suas vendas. A maré de pedidos vindos da França, segundo Zanetti, subiu cerca de 40% nos últimos dois meses. "Os políticos foram ótimos comigo, eu deveria agradecê-los!"

    O preço de um burquíni varia entre R$ 210 e R$ 420, de acordo com o modelo, incluindo versões mais justas.

    Sem dar muitos detalhes, ela afirma que tem planos de visitar as praias francesas na quarta-feira (24) para explicar à população local o que, afinal, é o burquíni que criou.

    O burquíni une em seu nome o biquíni e a burca, veste com a qual muçulmanas conservadoras cobrem o corpo e o rosto, a depender de sua interpretação do islã. O burquíni, porém, não esconde a face da mulher.

    Zanetti abriu sua primeira loja de burquínis em 2005. O objetivo, diz, era permitir que mulheres muçulmanas se integrassem à cultura local e pudessem ir a praias sem que se sentissem desconfortáveis.

    O invento, no entanto, tornou-se recentemente símbolo da tensão entre a França e sua população muçulmana. O premiê Manuel Valls afirmou, por exemplo, que o burquíni não se encaixa no secularismo e na República.

    TERRORISMO

    Parte do incômodo está relacionado aos recentes atentados ao país. Em julho, um ataque deixou 86 mortos em Nice. A ação foi reivindicada pela milícia terrorista Estado Islâmico, que a França combate no Oriente Médio.

    "Querem julgar todo um grupo devido a um punhado de criminosos", diz Zanetti. "O Estado Islâmico não representa nenhum muçulmano que conheço. Nunca me perguntaram se podem matar em meu nome."

    Casada com um grego, a australiana, que nasceu no Líbano e mudou-se aos dois anos de idade, enxerga interesses políticos no veto ao burquíni. Mas, assim como afirma conviver com sua irmã, que usa biquíni, espera que a sociedade francesa aceite quem prefere se cobrir mais para entrar no mar.

    "Não acredito que nenhum político pode julgar o que uma mulher veste", diz.

    A questão do véu, ou de quanto as mulheres muçulmanas devem ou não se cobrir, acompanha o discurso europeu há bastante tempo, com posições conflitantes.

    Detratores insistem que vestimentas como a burca são instrumentos de dominação das mulheres. Por outro lado, mulheres como Zanetti se ressentem de quem tenta obrigá-las a não cobrir-se com seus véus.

    "Eu não sou forçada a me vestir com modéstia. É minha escolha. Quero ser assim", diz. "Visto o biquíni embaixo do burquíni, então tenho o melhor dos dois mundos", ri.

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