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    Crianças vão a tribunais de imigração dos EUA sem o auxílio de advogados

    FERNANDA SANTOS
    DO "NEW YORK TIMES", EM TUCSON, ARIZONA

    22/08/2016 11h12

    Caitlin O'Hara/The New York Times
    A 15-year-old boy from El Salvador in his uncle's home in Tucson, Ariz., Aug. 15, 2016. He is asking for asylum in Arizona after fleeing gang violence back home, but he did not have a lawyer in immigration court. Since October 2004, more than half of children who did not have lawyers were deported, while only one in 10 children who had lawyers were sent back. (Caitlin O'Hara/The New York Times) - XNYT50
    Um garoto de 15 anos de El Salvador que busca asilo no Estado norte-americano do Arizona

    Depois de uma longa e assustadora jornada por três países a fim de escapar da violência das gangues em El Salvador, um menino de 15 anos se viu de novo assustado, alguns meses atrás, dessa vez em um tribunal de imigração em Tucson.

    Havia um juiz de imigração diante dele e um promotor público federal à sua direita. Mas o menino não tinha alguém que o ajudasse a compreender as acusações contra ele.

    "Eu tinha medo de cometer um erro", disse o menino, em espanhol, na sala de estar da casa de seu tio, uma modesta construção de blocos de concreto no sul de Tucson. "Quando o juiz me fazia perguntas, eu acenava afirmativa ou negativamente com a cabeça. Não queria me arriscar a dizer a coisa errada."

    A cada semana, em tribunais de imigração em todo o território dos Estados Unidos, milhares de crianças defendem a si mesmas, solicitando asilo ou outras formas de proteção, em um sistema judicial que não compreendem.

    Suspeitos de assassinato, sequestradores e outras pessoas que enfrentam acusações criminais federais, não importa qual seja sua idade, têm direito a advogados indicados pelo tribunal, caso não disponham de meios para pagar por esse serviço.

    As crianças acusadas de violar as leis de imigração, o que constitui um delito civil, no entanto, não desfrutam do mesmo direito. No tribunal de imigração, as pessoas enfrentam acusações do governo, mas o governo não tem a obrigação de fornecer advogados às crianças e adultos pobres, como faz em casos criminais, dizem especialistas em questões legais.

    Ter um advogado faz diferença. Entre outubro de 2004 e junho deste ano, mais de metade das crianças que não tinham advogados foram deportadas. Apenas 10% das crianças que contavam com representação judicial foram enviadas de volta aos seus países, de acordo com dados federais compilados pela Transactional Records Access Clearinghouse, uma organização de pesquisa vinculada à Universidade de Syracuse.

    "Procuramos por qualquer sistema judicial nos Estados Unidos no qual crianças sejam forçadas a se representar no tribunal contra um advogado do governo –procedimentos de bem-estar infantil, procedimentos de delinquência juvenil. Não identificamos nem mesmo um caso, até agora, e o governo tampouco", disse Stephen Kang, advogado do Projeto de Direitos dos Imigrantes, na União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), em entrevista.

    Caitlin O'Hara/The New York Times
    A photograph of the father of a 15-year-old boy from El Salvador, who was killed by a gang, in Tucson, Ariz., Aug. 15, 2016. The boy is asking for asylum in Arizona after fleeing gang violence back home, but he did not have a lawyer in immigration court. Since October 2004, more than half of children who did not have lawyers were deported, while only one in 10 children who had lawyers were sent back. (Caitlin O'Hara/The New York Times) - XNYT51
    Fotografia do pai de um garoto de 15 anos de El Salvador, que foi morto por uma gangue local

    "O que temos nos tribunais de imigração é um sistema fora de compasso", disse Kang. "As crianças enfrentam promotores públicos federais em audiências judiciais antagônicas, que podem ter consequências de vida e morte para as crianças envolvidas".

    Um processo judicial coletivo, movido pela ACLU e outras organizações de direitos civis, está tentando mudar esse quadro.

    Em petição apresentada a um tribunal de recursos, no qual o governo está contestando o direito do tribunal a considerar o caso, advogados do Departamento da Justiça insistiram que "estrangeiros em processos civis de remoção administrativa têm o privilégio de serem representados por advogados que eles contratem, mas não desfrutam do direito constitucional ou estatutário de obter os serviços de um advogado pago pelos contribuintes".

    No entanto, o governo também vem gastando milhões de dólares em pagamentos a advogados para representar crianças desacompanhadas nos tribunais de imigração –de programas modestos em Baltimore e no Tennessee a um projeto de US$ 55 milhões do Departamento de Saúde e de Recursos Humanos em diversas cidades dos Estados Unidos.

    A maioria das crianças que têm de se apresentar a tribunais de imigração vem da América Central, fugitivas da pobreza e da violência de rua que faz de El Salvador, Guatemala e Honduras alguns dos países mais perigosos do mundo.

    Na metade de 2014, essas crianças conquistaram manchetes ao chegarem em número recorde aos Estados Unidos, via fronteira com o México, surpreendendo as autoridades e sobrecarregando um sistema que não estava preparado para absorvê-las.

    Elas ficaram detidas em uma estação da Patrulha de Fronteira em McAllen, Texas, e em um armazém em Nogales, Arizona, dormindo lado a lado por trás de cercas metálicas, em colchões finos espalhados sobre o pavimento de concreto.

    Ivan Kashinsky/The New York Times
    Sara Van Hofwegen, a lawyer who represents unaccompanied children for Public Counsel, a law firm in Los Angeles, Aug. 2, 2016. Since October 2004, more than half of children who did not have lawyers were deported, while only one in 10 children who had lawyers were sent back. (Ivan Kashinsky/The New York Times) - XNYT52
    Sara Van Hofwegen, advogada que representa crianças desacompanhadas para o Public Counsel

    Uma campanha repressiva das autoridades mexicanas conteve esse influxo, mas os números estão começando a subir de novo, especialmente na região texana de Big Bend e em torno de Yuma, Arizona, já que os contrabandistas de pessoas ajustaram suas rotas a fim de escapar às medidas repressivas das autoridades.

    Em 2014, Matt Adams, diretor jurídico do Northwest Immigrant Rights Project, em Seattle, uniu-se à Public Counsel, ACLU e outras organizações de defesa dos direitos civis em um processo contra o governo federal em nome de nove crianças centro-americanas dos 10 aos 17 anos, que estavam representando a si mesmas em audiências de deportação.

    Neste ano, um juiz impôs um ultimato a um menino guatemalteco: ele teria de encontrar um advogado ou comparecer à próxima audiência preparado para apresentar uma petição de asilo por conta própria. (O processo foi classificado como ação coletiva em junho.)

    O menino de El Salvador –cuja família só permitiu que ele fosse entrevistado sob a condição de que seu nome não fosse mencionado, porque não queriam colocar em risco sua audiência de asilo pendente– tentou contratar um advogado.

    Seu tio e guardião legal disse que um advogado se ofereceu para cuidar do caso por US$ 6 mil, mas a família decidiu não pagar porque o advogado parecia hesitante quanto às chances de sucesso do menino.

    O tio levou o menino, que usa um corte de cabelo em estilo moicano que se estende até a nuca, à primeira audiência de seu processo de imigração, em abril, esperando poder falar em nome dele. Mas o tio conta que o juiz não permitiu que assim fizesse.

    Por isso, o menino se acomodou no banco dos réus, colocou fones de ouvido para ouvir a tradução das perguntas do inglês para o espanhol e respondeu com acenos afirmativos ou negativos de cabeça pelo máximo tempo possível, até que o juiz ordenou que ele falasse.

    Na saída, um advogado do Florence Immigrant and Refugee Rights Project, que vem representando jovens ameaçados de deportação há anos, entregou ao tio dele um cartão de visitas. "Nosso objetivo geral é representar todas as crianças que passem pelo tribunal de imigração", disse Lauren Dasse, diretora executiva do projeto.

    O tio disse ter ficado desconfiado quando o advogado abordou seu sobrinho, e que ficou imaginando por que alguém faria esse trabalho de graça. Ainda assim, o menino marcou uma consulta. Em 5 de agosto, o juiz concedeu uma prorrogação de prazo ao menino para que sua petição de assistência possa ser preparada e apresentada.

    Ele voltará ao tribunal em outubro, dessa vez com um advogado.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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