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    Mercosul busca 'gambiarra' ante impasse no comando do bloco

    CLÓVIS ROSSI
    COLUNISTA DA FOLHA

    23/08/2016 02h00

    Os coordenadores nacionais do Mercosul buscam nesta terça (23), em Montevidéu, uma "gambiarra" jurídico-política para acabar com a acefalia que paralisa todas as atividades do bloco.

    O problema instalou-se quando o Uruguai abandonou a presidência de turno no fim do mês passado, sem fazer a transferência formal para o país seguinte na ordem alfabética (a Venezuela).

    Os uruguaios sabiam que Argentina, Brasil e Paraguai não aceitariam a presidência venezuelana. O pretexto (técnico) é o de que a Venezuela não adequou sua legislação interna às normas do bloco.

    O motivo real (político) é a acusação dos três sócios de que a Venezuela não é uma democracia plena. "País que tem presos políticos não é democrático", repete sempre o chanceler José Serra —e a Venezuela tem presos políticos.

    Miguel Rojo - 5.jul.2016/AFP
    Brazilian Foreign Minister Jose Serra speaks during a press conference in Montevideo, on July 5, 2016. Serra met with Uruguayan President Tabare Vazquez and his Foreign Minister Rodolfo Nin Noboa to discuss the transfer of the Mercosur's pro tempore presidency to Venezuela. / AFP PHOTO / MIGUEL ROJO ORG XMIT: 510
    O ministro das Relações Exteriores José Serra durante coletiva em Montevidéu, em julho

    A reunião desta terça foi convocada no dia 12, quando se completaram os quatro anos concedidos à Venezuela para cumprir o compromisso de se adequar ao compêndio de normas do Mercosul.

    Até o Uruguai, o único dos sócios originais que quer transferir a PPT (presidência pro-tempore, no jargão oficial) para a Venezuela, assinou carta em que eles todos afirmam que não houve o cumprimento.

    Caracas aceita que não cumpriu tudo, mas afirma que fez mais até do que sócios originais do grupo, sem especificar qual ou quais. Por que a necessidade de uma "gambiarra"? Porque não há previsão de punição para não cumprimento das normas.

    O Uruguai alega que deve prevalecer "o jurídico sobre o político" —ou seja, deve-se acatar a regra da transferência (o jurídico) em vez de se aceitar o julgamento político da Venezuela como não-democrática ou, como diz até o chanceler uruguaio Rodolfo Nin Novoa, uma "democracia autoritária", o que é uma contradição em termos.

    A reunião será, acima de tudo, para convencer o Uruguai a aceitar uma "gambiarra" qualquer. A que está sobre a mesa é a presidência colegiada até o fim do ano, proposta original da Argentina, logo encampada pelo Brasil, mas nunca adotada antes.

    A adesão uruguaia é indispensável porque as decisões no bloco têm que ser tomadas por consenso. Aliás, isso se tornará definitivamente inalcançável se a Venezuela, convidada, enviar seu coordenador a Montevidéu.

    Até ontem, não havia confirmação da presença do venezuelano, mas o cronograma que a chancelaria venezuelana divulgou em sua página oficial marca uma reunião de coordenadores para o dia 25, não 23.

    Argentina, Brasil e Paraguai aceitam qualquer outra proposta alternativa para a PPT, desde que permita fugir da paralisia em que se encontra o bloco, incapaz, sem presidência, de tomar qualquer tipo de decisão, desde as triviais (convocar reuniões) até as relevantes (discutir novos acordos comerciais).

    O que acontece se não se conseguir a "gambiarra"? "A paralisia do Mercosul não pode seguir indefinidamente", se diz no Itamaraty, sem, no entanto, arriscar um prazo ou uma proposta alternativa.

    É razoável supor, no entanto, que, mais cedo do que tarde, será posta à mesa a questão da cláusula democrática. Sua aplicação a países que rompem a institucionalidade democrática permitiria suspender a Venezuela, o que tiraria do horizonte a questão da presidência.

    É o que diz o especialista venezuelano em direito internacional Edmundo González Urrutia. "A credibilidade do Mercosul passa por ser sincero no caso da Venezuela, sobretudo em matéria de democracia e direitos humanos", disse ao jornal "El Nacional".

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