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    Líderes vão à China para o G20 com tensões e saias-justas na mala

    JOHANNA NUBLAT
    DE SÃO PAULO

    28/08/2016 02h00

    Um país votou para se desgarrar da União Europeia. Um tem pretensões de anexar parte do vizinho. Outro tenta dominar águas do mar disputadas por outras nações.

    Um quarto enfrenta uma controversa eleição presidencial, cujos impactos são imprevisíveis e globais. E há ainda um que finaliza um desgastante processo de impeachment no Congresso.

    Essa é apenas uma parte das realidades nacionais que vão se reunir em uma semana, na reunião de cúpula do G20, em Hangzhou (China).

    Juntos, os 19 líderes de países e mais a União Europeia representam cerca de 85% do PIB mundial e um recorte de polêmicas e tensões.

    A começar pelo país-sede do evento. Em julho, a China sofreu uma derrota em suas pretensões territoriais na Ásia, quando um tribunal internacional rejeitou seu argumento de direitos históricos sobre o mar do Sul da China, como é chamado por Pequim.

    No que depender do governo chinês, no entanto, temas sensíveis como este estarão de fora das conversas.

    O consenso entre os líderes é "focar no desenvolvimento econômico e não ser distraído por terceiros", afirmou este mês Li Baodong, vice-ministro de Relações Exteriores, quando questionado sobre a eventual discussão da polêmica da disputa marítima nas reuniões.

    "A cúpula em Hangzhou deve focar em temas econômicos. É sobre o que as pessoas mais querem discutir."

    Grupos de direitos humanos pressionam para que o cerco do governo de Xi Jinping a liberdades individuais e de manifestação seja abordado pelas lideranças.

    "Sua Presidência destacou que os direitos humanos são um importante componente da segurança nacional", diz a organização americana Human Rights First, em carta endereçada ao presidente dos EUA, Barack Obama.

    O texto argumenta que os EUA fizeram esforços para garantir respeito a direitos humanos não apenas em casa e defende que "o G20 é uma oportunidade de deixar claro —para a China e todas as outras nações do G20— que o governo americano espera que eles façam o mesmo".

    Para Joshua Rosenzweig, analista para a Anistia Internacional na Ásia, haverá muitas tentativas de se evitar os temas espinhosos em meio às discussões econômicas —foco central do encontro.

    "Há esse entendimento que a preocupação com direitos humanos e a economia devem e podem ser separadas. Há quem veja os direitos humanos como uma distração. Mas você apagar essas discussões do assunto economia é um grande problema."

    CARA A CARA

    John Kirton, co-diretor do Grupo de Estudos do G20, ligado à Universidade de Toronto, e autor do livro "A Liderança Chinesa do G20", avalia que questões como conflitos na Síria e no Iraque devem ser discutidos, mas provavelmente dentro de tópicos como migração e terrorismo, como no passado.

    "Não acredito que tenhamos os 20 líderes sentados à mesa e dizendo 'ok, vamos tentar achar uma solução para evitar que [o presidente russo, Vladimir] Putin tente ter mais controle sobre o território ucraniano, ou conseguir que a Coreia do Norte pare com seu programa de armas nucleares'."

    No entanto, o passado já mostrou, segundo Kirton, que é possível obter avanços impensáveis, como a negociação para a entrega das armas químicas pelo ditador sírio Bashar al-Assad, após a cúpula de 2013. Tudo dependerá, diz, da interação entre os líderes, quando estiverem cara a cara.

    Para Kirton, temas comuns à maior parte dos países, como o "brexit-trumpismo" —receio com imigração e economia, desejo de maior protecionismo-, deverão também vir à tona.

    DIREITOS HUMANOS

    Os líderes aguardados para a reunião de cúpula do G20, em Hangzhou (na China) deverão receber uma carta em que a Anistia Internacional cobra deles a necessidade de que o crescimento e o desenvolvimento econômicos sejam alcançados em paralelo a garantias de respeito aos direitos humanos.

    "Nossa preocupação é que a sensação de urgência e da necessidade de energizar a economia mundial vá fazer os líderes dessas potências mundiais colocarem as questões de direitos humanos nas margens da discussão", diz Joshua Rosenzweig, analista da organização na Ásia.

    Yin Dongxun/Xinhua
    Cartaz em ponto de ônibus de Hangzhou (China) anuncia reunião do G20, que começa no próximo dia 4
    Cartaz em ponto de ônibus de Hangzhou (China) anuncia reunião do G20, que começa no próximo dia 4

    A demanda não é de fácil cumprimento: é para que os países avancem, por exemplo, em garantias nas relações de trabalho —veto ao trabalho infantil e ao trabalho análogo à escravidão— e de minimização de impactos ambientais em projetos que afetam as comunidades.

    "Chamamos os líderes a melhorarem as regulações em relação às atividades das empresas, para respeitar os direitos humanos em suas operações, o que inclui operações no exterior", diz.

    A ideia, continua Rosenzweig, é que essas preocupações possam ser absorvidas pelas organizações internacionais exteriores ao G20.

    Sem tocar nos problemas individuais dos países em relação aos direitos humanos, o grupo prefere uma abordagem mais geral: "O que queremos enfatizar é nossa esperança de que o G20 possa se tornar uma plataforma em que os países trabalhem juntos, construtivamente, para reforçar a ideia que os direitos humanos precisam ser o centro de planos envolvendo trocas comerciais, investimento e desenvolvimento".

    Questionado sobre se a China —que ocupa a atual Presidência do grupo— seria o melhor local para destacar este tema, considerando que o país é alvo frequente de críticas internacionais pela forma como lida com os direitos humanos, Rosenzweig defende que sim, considerando o discurso chinês por um desenvolvimento sustentável.

    "Se os direitos humanos não forem parte da meta, os riscos envolvidos para as comunidades são tão grandes que não podemos falar de um crescimento e um desenvolvimento sustentáveis."

    A carta deve chegar aos líderes por meio dos escritórios nacionais da organização.

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