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    Sobrevivente brasileira volta a NY para pagar dívida com consciência

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    DE NOVA YORK

    11/09/2016 02h00

    Gabriel Cabral/Folhapress
    A paranaense Adriana Maluendas, 44, conta como sobrevive ao atentado no livro "Além das Explosões"
    A paranaense Adriana Maluendas, 44, conta como sobrevive ao atentado no livro "Além das Explosões"

    RESUMO A paranaense Adriana Maluendas, 44, escreveu o livro "Além das Explosões", à venda na Amazon a partir de outubro, para contar como superou o trauma do 11/9. O governo brasileiro a reconhece como única sobrevivente do país nos ataques, nos quais morreram quatro conterrâneos.

    *

    Sou formada em comércio exterior e vim aos Estados Unidos representar uma comunidade agrícola do sul do Paraná. Precisava fazer um teste para tirar uma licença em commodities. Aos 29 anos, estava no auge da carreira.

    Desmarquei três vezes aquela viagem. Então recebi um e-mail dizendo que setembro era a última chance de fazer o exame. Na terça-feira [11/9] seria a primeira prova, às 9h30, na torre sul, a segunda que foi atingida.

    Escolhi o Marriot (um dos prédios do complexo World Trade Center, conectado às duas torres e destruído com a queda da torre sul). Acordei cedo e fui encontrar meu tutor. Até hoje ele diz que sobreviveu porque estava me esperando no lobby. Seu horário de entrada era 8h.

    Depois do primeiro estrondo, bateu um nervoso e saí. No corredor, havia uma senhora de cadeira de rodas e uma moça na janela, paralisada. Olhei para fora também. Já havia pedaços de corpos no chão, fogo, destroços.

    Aí começou o pânico, gente descendo de pijama. Não havia rampa, e eu disse para a senhora: "Vou buscar ajuda". Ela era forte, não conseguiria carregá-la. Saí levando a menina da janela. Lá embaixo as luzes piscaram, um barulho ensurdecedor. O elevador explodira. Me empurraram, e, quando pus os pés para fora do hotel, o segundo avião já havia colidido.

    Fui pisoteada brutalmente. Quebrei meu dente da frente, trinquei duas costelas.

    Antes de as torres desabarem, ficamos todos parados. Só se ouviam os gritos vindos dos andares. As pessoas começaram a se jogar do alto. Cada vez que um corpo caía, você escutava o eco no ar.

    O cheiro de carne humana queimada... Até hoje não encontro uma palavra para descrever. Parece um forno.

    Quando os prédios caíram, era explosão atrás de explosão. O pessoal correu. Quando olhei para trás, vi aquela nuvem negra engolindo tudo, ficou difícil respirar. Caí de novo. A única coisa que pedi naquele momento: que a minha família encontre meu corpo. E fechei os olhos.

    Quando a fumaça começou a dissipar, a gente se levantou. Escutei diferentes idiomas, acho que eram rezas.

    Caminhei por oito horas. Os sintomas de estresse começaram no mesmo dia. Não conseguia lembrar nenhum telefone. A sorte é que eu tinha os números na capinha do meu passaporte.

    Aquele dia era o último da quimioterapia da minha mãe, um câncer de seio. Ela só soube de tudo quando voltei ao Brasil. Quando achei um hotel e entrei no banho, vi marcas de solas de sapato no braço.

    Passei a noite numa praça chorando. Começou um sentimento de culpa de ter deixado aquela senhora para trás.

    Decidi voltar [ela mora em Nova York desde 2003] por causa da saúde, já que ainda tenho problemas de coluna, e também pela minha consciência. Sabia que tinha de buscar aquela cadeirante.

    Em 2011, enfim a encontrei. A mãe dela, na verdade. Uma senhorinha forte que me contou que ela morreu, mas só oito anos após o atentado.

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