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    Mesmo crítica a teste nuclear, China não quer desfazer elo com Pyongyang

    JANE PERLEZ
    DO "NEW YORK TIMES", EM PEQUIM

    12/09/2016 11h17

    O maior teste nuclear da Coreia do Norte, realizado na semana passada a menos de 80 km da fronteira chinesa, provocou tremores em casas e escolas no nordeste da China. Mesmo assim, horas mais tarde, os noticiários noturnos da televisão estatal chinesa, vistos por centenas de milhões de espectadores, não o mencionaram.

    A decisão tomada na sexta-feira (9) de ignorar publicamente a evidência inequívoca da crescente capacidade nuclear de Pyongyang ilustrou o constrangimento que o líder norte-coreano, Kim Jong-Un, gera para seus patronos em Pequim.

    Entretanto, apesar de a Coreia do Norte ser praticamente 100% dependente da China para obter petróleo e alimentos, analistas chineses dizem que Pequim não vai modificar sua lealdade à Coreia do Norte nem pressionar o país a limitar seu esforço para obter um arsenal nuclear pleno, como os Estados Unidos pedem sempre.

    Thomas Peter/Reuters
    A woman sells cigarettes in front of the bridge across Yalu River that connects China's Dandong, Liaoning province, and North Korea's Sinuiju September 10, 2016. REUTERS/Thomas Peter ORG XMIT: TPE33
    Mulher vende cigarros em frente à ponte que liga a cidade chinesa de Dandong a Coreia do Norte

    "Os EUA não podem confiar que a China pressione a Coreia do Norte", disse Shi Yinhong, professor de relações internacionais na Universidade Renmin, em Pequim. "A China tem laços mais estreitos com a Coreia do Norte que com os EUA."

    Para Shi, a China considera que conviver com um Estado fronteiriço comunista e dotado de armas nucleares é preferível ao caos que resultaria de um colapso da Coreia do Norte. A liderança chinesa confia que a Coreia do Norte não voltará suas armas contra a China e que a China vai poder controlar seu vizinho, fornecendo-lhe petróleo suficiente para conservar sua economia funcionando.

    A opção alternativa seria um pesadelo estratégico para Pequim: um regime norte-coreano caído, milhões de refugiados invadindo a China e uma península coreana unificada sob um tratado de defesa norte-americano.

    A decisão da administração Obama de posicionar um sistema avançado de defesa antimísseis na Coreia do Sul também dá ao presidente chinês, Xi Jinping, menos incentivo para cooperar com Washington sobre uma estratégia para a Coreia do Norte que visasse, por exemplo, congelar a capacidade nuclear de Pyongyang, disseram analistas.

    De acordo com eles, o sistema de defesa antimísseis na Coreia do Norte fornecido pelos EUA, conhecido como sistema de Defesa Terminal de Área de Alta Altitude, ou THAAD, concretamente jogou por terra qualquer chance que houvesse de que a China se dispusesse a cooperar com os Estados Unidos.

    "A China é fortemente contra as armas nucleares da Coreia do Norte, mas ao mesmo tempo é contra o sistema de defesa antimísseis na Coreia do Sul", disse Cheng Xiaohe, professor-assistente de relações internacionais na Universidade Renmin. Segundo ele, não está claro qual dessas situações mais preocupa a liderança chinesa.

    Pequim interpreta a instalação do THAAD como mais um esforço dos EUA para conter a China. O sistema reforça a visão da China de que sua aliança com a Coreia do Norte é uma parte integral dos interesses estratégicos da China na Ásia, disse Shi, diante da proximidade dos aliados americanos Japão e Coreia do Sul e de dezenas de milhares de tropas americanas.

    Washington insiste que o sistema THAAD, previsto para ser instalado em 2017, tem por objetivo defender a Coreia do Sul contra mísseis norte-coreanos e não é voltado contra a China. "O sistema não modifica o equilíbrio estratégico entre os Estados Unidos e a China", disse o presidente Barack Obama após um encontro com Xi em Hangzhou, China, uma semana atrás.

    Greg Baker/AFP Photo
    Residents exercise on the bank of the Yalu river in Dandong, in northeast China on September 12, 2016, as the North Korean town of Sinuiju is seen across the river. North Korea demanded on September 11, 2016 that the United States recognise it as a "legitimate nuclear weapons state" following its fifth and largest atomic test. / AFP PHOTO / GREG BAKER ORG XMIT: GB6461
    Pessoas se exercitam em Dandong, na China, com a cidade norte-coreana de Sinuiju ao fundo

    Mas a China não está convencida disso. Líderes chineses argumentam que o radar do THAAD pode detectar mísseis chineses na China continental, enfraquecendo seu dispositivo de dissuasão nuclear.

    Desse modo, apesar do repúdio do governo chinês, segundo analistas chineses, por Kim e seu comportamento imprevisível, o cálculo fundamental da China envolvendo a Coreia do Norte se mantém inalterado.

    Xi vai continuar a assegurar a estabilidade da Coreia do Norte. O líder chinês, 63, já demonstrou desdém por Kim, que tem 32. Ele não o convidou a ir à China e até agora autorizou apenas visitas esporádicas de representantes chineses a Pyongyang. As forças armadas dos dois países praticamente não têm envolvimento uma com a outra.

    Mas os antagonismos pessoais e profissionais não modificam a meta de Pequim de impedir uma unificação das duas Coreias sob um arranjo de defesa norte-americano.

    O medo de longa data de que qualquer ação econômica punitiva desestabilize a Coreia do Norte faz com que seja improvável, segundo analistas chineses, que Pequim coopere com os EUA para levar as Nações Unidas a aprovar sanções mais rígidas.

    Em março, após hesitação considerável, a China atendeu os apelos de Washington e aprovou a adoção pela ONU de sanções mais rígidas, que incluem a proibição de exportação do carvão norte-coreano.

    Agora, enquanto o Ocidente se dirige para mais uma rodada de sanções da ONU, o estado de ânimo vigente na China é muito diferente, segundo um ex-representante sênior chinês que trabalhava com a Coreia do Norte. Ele disse que alguns líderes se perguntam por que a China vai cooperar com os EUA nas Nações Unidas, sendo que Washington seguiu adiante com o sistema de defesa antimísseis, contrariando o desejo da China.

    Há opiniões divergentes na China se um embargo petrolífero –um castigo que dificilmente será adotado– resultaria em Kim abrir mão de suas armas. Se a China suspendesse o fluxo de petróleo, a Coreia do Norte depois de um ano enfrentaria uma crise econômica grave e, em seguida, teria que optar entre manter sua economia funcionando ou ceder em relação a seu programa nuclear, disse o ex-funcionário sênior.

    É possível que, nesse momento, Kim concordasse em negociar. Mas outros discordam, dizendo que o governo chinês não ousaria cortar o fornecimento de petróleo, ciente de que a Coreia do Norte poderia conseguir se suprir junto à Rússia ou outras fontes.

    "A razão fundamental porque não cortam o fornecimento de petróleo é que não querem sacrificar a zona de proteção, e, além disso, mesmo que o fizerem, isso não forçará Kim Jong-Un a abrir mão de suas armas", disse Shi.

    Shi questionou por que a China quereria correr o risco de converter a Coreia do Norte em inimiga, cortando seu suprimento de petróleo. "Se o fornecimento de petróleo for cortado, há 50% de possibilidade de que a Coreia do Norte não entregue suas armas, e nesse caso ela vai odiar a China ainda mais", ele disse.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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