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    Problemas internos de Merkel podem criar vácuo de liderança na Europa

    ALISON SMALE
    DO "NEW YORK TIMES", EM BERLIM

    14/09/2016 08h06

    Mesmo a geralmente impávida Angela Merkel, veterana de crises europeias depois de quase 11 anos como chanceler da Alemanha, foi obrigada a admitir na semana passada: "O mundo se encontra em situação crítica". Não adianta "tentar pintar um quadro mais favorável do que é a realidade".

    As perspectivas para Merkel tampouco são especialmente favoráveis.

    Depois de anos desfrutando de apoio amplo e profundo em seu país, fortalecendo-se à medida que se tornava a líder mais poderosa do continente, Merkel agora caminha para eleições nacionais em 2017 numa posição politicamente mais vulnerável do que em qualquer momento desde seus primeiros dias como chanceler, e as implicações disso se estendem para longe fora das fronteiras da Alemanha.

    4.set.2016/AFP
    A chanceler alemã, Angela Merkel, participa da cúpula do G20 em Hangzhou, na China
    A chanceler alemã, Angela Merkel, participa da cúpula do G20 em Hangzhou, na China

    Quando ela chegar à Eslováquia na próxima sexta-feira (16) para uma cúpula dos líderes de 27 países membros da União Europeia —todos menos o Reino Unido, que em junho votou por sair do bloco—-, sua capacidade de superar seus problemas em casa jogará uma sombra sobre a reunião.

    Desde a decisão britânica, outros governos europeus têm feito pouco em resposta à ascensão do populismo e nacionalismo no continente ou para tranquilizar seus cidadãos, mostrando a eles que a União Europeia pode ser uma força positiva em suas vidas.

    RESPOSTA UNIFICADA

    Com a atenção de Merkel dividida entre reforçar sua posição em seu país e enfrentar os problemas da Europa, a tarefa de forjar uma resposta unificada e eficaz pode ser dificultada.

    O fato de Merkel continuar a defender sua decisão de acolher mais de 1 milhão de migrantes na Alemanha no ano passado a deixa cada vez mais isolada de outros líderes que enfrentam o sentimento anti-imigrantes e antimuçulmanos em seus eleitorados, especialmente em um tempo de ataques terroristas.

    Com o crescimento na zona do euro "ainda em baixa", como disse na semana passada o diretor do Banco Central Europeu, Mario Draghi, a nova vulnerabilidade de Merkel pode prejudicar a capacidade da Alemanha de impor ao bloco sua política econômica de austeridade, alimentando chamados por mais gastos governamentais da parte de países que ainda enfrentam altos índices de desemprego e baixo crescimento.

    E o fato de a Alemanha voltar sua atenção para seus problemas internos, enquanto discute sua resposta à crise da migração e encara eleições em um ano, pode criar um vácuo maior de liderança na Europa em um momento crítico.

    O presidente francês, François Hollande, está enfraquecido por estar perto do final de seu mandato, profundamente impopular e com poucas chances de reeleição em 2017, e o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, ainda está politicamente frágil, lutando para aprovar mudanças constitucionais e afirmar-se no palco europeu.

    Além disso, a divisão entre os países mais pluralistas da Europa ocidental e os governos da Europa central e do leste, alguns dos quais estão cada vez mais autoritários, intensifica a dificuldade de manter a coesão do continente.

    Em meio a tudo isso, como sempre, está Angela Merkel. O perigo político que ela pode estar correndo na Alemanha é difícil de avaliar —especialmente, como destacam seus defensores, porque a economia alemã continua relativamente forte.

    Mas Merkel enfrenta ataques crescentes, tanto vindos de dentro de seu próprio bloco de centro-direita quanto de uma extrema-direita ressurgente, devido à sua política de imigração.

    E, embora as autoridades alemãs estejam chocadas com a ausência de um plano britânico para a saída da UE, Merkel não propôs nenhuma visão bem articulada de como conservar o bloco unido.

    DERROTA REGIONAL

    Os comentaristas hostis e críticos de Merkel em seu próprio bloco mal conseguiram conter sua alegria diante da nova vulnerabilidade da chanceler quando o partido de extrema-direita e anti-imigração Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) empurrou os conservadores de Merkel para o terceiro lugar numa eleição realizada em 4 de setembro no Estado pobre e pouco povoado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental.

    Foi a primeira vez em que o bloco de Merkel foi superado pela direita em qualquer eleição desse tipo no país. O fato de o resultado ter vindo exatamente um ano depois de Merkel ter aberto as fronteiras do país para receber imigrantes encurralados na Hungria, e de a eleição ter ocorrido em seu próprio Estado político, que acolhe muito poucos refugiados, acentuou a derrota.

    "Angela Merkel está trôpega", disse Wolfram Weimer, do canal de notícias N-TV. "Sua aura de vencedora foi destruída, e sua imagem de hábil estrategista do poder caiu junto."

    Para Tina Hildebrandt, do semanário "Die Zeit", falar no crepúsculo político de Merkel pode ser um exagero, "mas o próprio fato de isso vir à tona já é impressionante".

    "A perda de reputação de Merkel é tremenda", ela acrescentou. "A situação dela quase nos lembra do início de sua carreira política", quando Merkel, física da Alemanha Oriental e nem um pouco chique, era fortemente criticada por seu estilo, enquanto sua habilidade e garra para chegar ao topo eram gravemente subestimadas.

    ACORDO COM A TURQUIA

    A chanceler deu mostras dessa garra na quarta-feira com um discurso vigoroso no Parlamento em que defendeu sua política interna e o polêmico pacto que negociou com a Turquia para impedir que migrantes do Oriente Médio façam a travessia da Grécia e de lá para o resto da Europa.

    Merkel disse que desde que o acordo foi assinado, praticamente não houve afogamentos de migrantes no mar Egeu, comparados às centenas de casos nos dois meses anteriores.

    "Numa situação como aquela, não podíamos simplesmente seguir adiante como se nada houvesse", disse Merkel, filha de um pastor luterano. "Precisamos trabalhar com outro país e encontrar um caminho para avançar."

    Merkel assumiu a responsabilidade pela derrota eleitoral de 4 de setembro e reafirmou sua recusa em seguir o exemplo da vizinha Áustria, limitando o número de candidatos a asilo que podem entrar no país a cada ano. —a Áustria, que no ano passado foi sua parceira na admissão de migrantes, pode estar se preparando para eleger um presidente de extrema-direita este ano.

    Mas, enquanto os políticos se preparam para as eleições nacionais alemãs no outono europeu de 2017, esse limite à imigração está virando uma prova de fogo para os conservadores democratas cristãos e mesmo para os social-democratas, de centro-esquerda, com quem Merkel governa numa coalizão nacional.

    Merkel se reuniu com quase todos os outros líderes europeus antes da cúpula em Bratislava (Eslováquia), onde os 27 países devem acordar medidas intensificadas de segurança e tentar novamente estimular o crescimento econômico e a geração de empregos para jovens.

    Daniela Schwarzer, diretora sênior do Fundo Marshall alemão em Berlim, acha que a chanceler ainda tem pleno domínio do poder.

    "Eu não diria que ela perdeu controle ou a capacidade de liderar a Alemanha", disse Schwarzer. "Mas ela terá que levar em conta que há vozes que falam alto nos partidos populistas e vozes críticas em seu próprio campo."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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