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    Obama evoca Trump, Putin e zika em seu último discurso na ONU

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    DE NOVA YORK

    20/09/2016 13h26 - Atualizado às 14h05

    Prestes a deixar a Casa Branca, Barack Obama fez seu último discurso presidencial na ONU (Organização das Nações Unidas) nesta terça-feira (20).

    Disposto a construir um legado, ele enfileirou diretas (Rússia, Coreia do Norte) e indiretas (Donald Trump) ao apontar duas possíveis medidas para o mundo: a do copo meio cheio ou meio vazio.

    Se é verdade que "nossas sociedades estão repletas de incerteza, inquietação e conflito", com pessoas que "perderam fé em suas instituições", Obama também lembrou que a vida hoje é "mais próspera e menos violenta" do que no fim da Guerra Fria.

    É a união, e não o "cada um por si", que fará o mundo ir para frente, afirmou.

    "Uma nação cercada por muros apenas conseguirá se aprisionar", disse diante de dezenas de chefes de Estado, na abertura da Assembleia Geral da ONU.

    Drew Angerer/Getty Images/AFP
    O presidente dos EUA, Barack Obama, fala na Assembleia Geral da ONU
    O presidente dos EUA, Barack Obama, fala na Assembleia Geral da ONU

    Essência da tônica de Trump, que faz campanha para suceder Obama, o muro evocado não é só literal –como aquele que o republicano promete construir na divisa com o México.

    "Acredito que temos, neste momento, uma decisão a fazer", afirmou. "Podemos escolher pressionar por um modelo melhor de cooperação e integração ou recuar para um mundo bruscamente dividido e, por fim, em conflito por linhas seculares de nação, tribo, raça e religião."

    "É o paradoxo que nos define hoje", disse, antes de sugerir que "avancemos, e não voltemos para trás".

    Inclusive epidemias como a zika, que assolou o Brasil e agora chega aos EUA, só serão vencidas em conjunto. "Mosquitos não respeitam fronteiras."

    A defesa dos refugiados –tema de cúpula que liderará à tarde– foi um dos pontos centrais de sua fala.

    Líderes mundiais devem "ter empatia" e imaginar "como seria se o inenarrável acontecesse com a gente", e suas famílias e crianças fossem obrigadas a deixar suas terras às pressas.

    Ele pediu uma "correção de curso" da globalização, reconhecendo que o livre comércio "abriu um fosso entre ricos e pobres". Mas o governo que se isolar do resto do mundo, afirmou, estaria fadado a uma "autoderrota".

    "O mundo é muito pequeno para que a gente simplesmente construa um muro e previna que nossas próprias sociedades sejam afetadas."

    Em 2009, Obama estreou na mais global das arenas se dizendo "bem ciente das expectativas que acompanham minha presidência ao redor do mundo".

    Afirmou então que ao chegar à Casa Branca, nove meses antes, outros países viam os EUA "com ceticismo e desconfiança". Dias depois, o primeiro presidente negro do país ganhou o Nobel da Paz pelos "esforços extraordinários" em promover "a cooperação entre os povos".

    Corta para 2016.

    O mundo que ele vislumbrava oito anos atrás virou abóbora. Velhos conflitos, iniciados pelo antecessor, George W. Bush, continuam sem desfecho –ao menos nem Iraque nem Afeganistão são a democracia vibrante que os EUA prometiam entregar. E os fronts no Oriente Médio se multiplicaram, com intervenções em Síria, Líbia e Iêmen.

    Das promessas mencionadas na primeira ida à ONU e que não se concretizaram: o fechamento da prisão de Guantánamo, a retirada integral das tropas em solo iraquiano e afegão e a negociação de paz entre Israel e Palestina.

    De partida, Obama defendeu o que considera conquistas de seu governo, entre elas o Acordo de Paris, com medidas de combate à mudança climática, e o acordo nuclear com o Irã.

    O fim de semana que antecedeu o encontro dos líderes mundiais, contudo, serviu de lembrete dos desafios contemporâneos. Em 48 horas, foram mais de dez bombas plantadas em Nova York e Nova Jersey e um esfaqueamento em Minnesota reivindicado pela facção terrorista Estado Islâmico –que Obama definiu como "ameaça medieval estúpida".

    "Vez ou outra, os seres humanos acreditam que enfim chegaram a um período de iluminação, apenas para repetirmos ciclos de conflito e sofrimento. Talvez seja nosso destino."

    Num mundo em que os tons de cinza valem não só para seu cabelo, um grisalho inexistente há oito anos, Obama disse que é preciso lutar contra a intolerância.

    Ainda que o empresário não tenha sido citado, ficou evidente o desgosto do presidente com a "doutrina Trump", que contagia governos de extrema-direita ao redor do globo.

    "Parece haver um embate crescente entre o autoritarismo e o liberalismo, e quero que todos entendam que não sou neutro nesse conflito."

    O presidente Vladimir Putin, que desistiu de ir à Assembleia Geral, não foi poupado. "Num mundo que deixou para trás a era do império, vemos a Rússia tentando recuperar a glória perdida por meio da força", disse, enquanto os representantes de Moscou o olhavam com cara de poucos amigos.

    "Não é surpresa", afirmou o americano, "que há quem argumente que o futuro pertence aos homens fortes, um modelo vertical em vez de fortes instituições democráticas."

    Já perto do fim do discurso, Obama citou Martin Luther King (1929-1968), pedindo que todos pensem em si não como "divisores", mas como "colegas de trabalho de Deus".

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