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    Grupos questionam lentidão em assistência a feridos por policiais

    LISA MARIE PANE
    DA ASSOCIATED PRESS, EM ATLANTA

    22/09/2016 07h00

    Philando Castile. Eric Garner. E agora Terence Crutcher. Os três homens negros, mortos por policiais em confrontos, com cenas capturadas em vídeo. E, a cada vez, a impressão que o vídeo causa é a de que os feridos foram deixados sozinhos para morrer, sem qualquer senso de urgências quanto a tentar salvá-los.

    Especialistas em assuntos policiais dizem que isso não é sinal de insensibilidade, mas sim resultado do esforço de garantir que os policiais e outros estejam seguros antes que alguém se aproxime de uma pessoa que pode estar armada ou continuar a representar ameaça mesmo depois de atingida por um tiro.

    Os ativistas dos direitos civis classificam a situação como a indignidade final, e como mais um exemplo da indiferença e da rapidez no gatilho que caracterizam a atitude da polícia com as minorias.

    "Quando a polícia realiza ações que resultam em ferimentos a alguém e aí deixa a pessoa no chão para morrer –bem, creio que isso seja uma violação constitucional", disse Randolph McLaughlin, advogado de direitos civis e professor na Escola Pace de Direito, em Nova York.

    No mais recente caso, Crutcher, 40, foi morto depois que seu carro morreu no meio de uma rua de Tulsa, Oklahoma.

    Uma câmera montada em um helicóptero da polícia gravou Crutcher caminhando com as mãos para cima na direção de seu carro esportivo. O advogado que representa a policial que atirou nele diz que ela abriu fogo quando ele moveu uma das mãos na direção da janela do veículo.

    Advogados da família de Crutcher contestam a afirmação, e apresentaram em uma entrevista coletiva uma versão ampliada de uma imagem obtida pela polícia que parece mostrar que a janela de Crutcher estava fechada.

    Enquanto Crutcher está caído, se vê policiais posicionados perto dele mas nenhum lhe presta assistência até um ou dois minutos mais tarde.

    A demora provocou questões quanto ao motivo para que ele tenha sido deixado na rua, imóvel, desarmado e não representando qualquer ameaça aparente.

    AMEAÇA

    Especialistas em questões policiais dizem que, em situações como essas, a polícia está tentando determinar rapidamente se existem outras armas por perto, se há mais pessoas no veículo, e se essas pessoas representam ameaça.

    É seguro chegar perto da pessoa abatida a tiros, para policiais e paramédicos? Tudo isso precisa ser determinado, não importa o quanto pareçam ser graves os ferimentos da vítima.

    Em inúmeros casos, eles dizem, pessoas que receberam tiros ainda representavam ameaça. Em um caso conhecido, de 2013, um homem foi parado por um policial estadual no Oregon; saiu de seu veículo usando roupas com camuflagem militar, disparou diversas vezes com sua arma e então voltou ao carro.

    Apesar de ter sido ferido no peito, ele dirigiu por mais 1,5 quilômetro antes de desmaiar por conta dos ferimentos.

    Mais recentemente, um suspeito de múltiplos ataques com faca em um shopping center em Minnesota levou três tiros de um policial de folga antes de sucumbir aos ferimentos– e tudo isso quanto estava a menos de um metro de distância do policial.

    Ao contrário do que se vê em filmes, que muitas vezes mostram pessoas caindo no chão instantaneamente, muita gente que leva tiros continua capaz de agir, e portanto, ainda representa ameaça.

    "As pessoas resistirão à dor", disse Lance LoRusso, advogado e antigo policial na Geórgia, que representa policiais em casos que envolvem o uso de força letal. "Em sua corrente sanguínea o que corre é pura determinação."

    TRATAMENTO

    Além dos casos de mortes causadas por policiais, nos últimos anos, o que incomoda os ativistas dos direitos civis é como as pessoas que são alvo de tiros dos policiais são tratadas depois dos incidentes.

    Garner, 43, acusado de vender cigarros na rua em Staten Island, Nova York, morreu depois de ser segurado pelo pescoço por um policial. Vídeos do incidente mostram que ele ficou sem assistência médica por pelo menos seis minutos.

    Castile foi morto quando seu veículo foi parado por um policial, em um incidente que a namorada da vítima –sentada ao seu lado– registrou em vídeo. O vídeo o mostra sentado, com a camisa ensanguentada, o policial apontando a arma para ele, e ninguém se aproximando para ajudá-lo.

    McLaughlin, o advogado, diz que foi especialmente perturbador, há alguns dias, ver Ahmad Khan Rahami, suspeito de atentados a bomba em Nova York e Nova Jersey, recebendo assistência médica e sendo colocado em uma ambulância depois de um tiroteio com a polícia. Ele diz que isso expõe a duplicidade e a desigualdade.

    "Se isso funciona para um suposto terrorista, por que o mesmo princípio não se aplica quando a polícia para uma pessoa qualquer na rua?", ele questionou.

    McLaughlin instou os cidadãos a não só gravar em vídeo quaisquer encontros com a polícia mas ligar para o serviço de emergência a fim de garantir que assistência médica seja oferecida mais rápido, "porque a polícia pode não fazê-lo, seja por choque, medo, o que for".

    John Bostain, antigo policial na Virgínia, hoje treina policiais na Command Presence Training Associates. Ele diz que é errado pensar que um policial atira em alguém e depois propositadamente deixa a vítima sem assistência médica.

    Logo depois de um incidente como esse, ele diz, os policiais estão trabalhando atentamente para avaliar e garantir o local, e confirmar que está seguro para o trabalho da polícia, dos paramédicos e para os transeuntes presentes. A pessoa que foi atacada porta uma arma ou tem acesso fácil a uma arma? Há alguém mais no carro que possa representar ameaça? A demora pode parecer longa para quem esteja assistindo a um vídeo mais tarde, mas não o é para os policiais que estão tentando resolver essas e outras questões com muita rapidez, diz.

    "Não acho que isso seja um exemplo claro de policiais que não estão nem aí e deixam o cara lá para morrer", disse Bostain. "Creio que seja preciso compreender que eles são seres humanos, e seus cérebros estão processando informações muito rápido. A percepção de tempo deles é diferente de nossa percepção ao assistirmos à cena em vídeo".

    "Só porque um policial atirou em alguém não quer dizer que ele deseje que a pessoa não sobreviva", disse Bostain. "Não desejamos ferir pessoas, e isso é fato. Não somos assim."

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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