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    Dois anos após sumiço de estudantes no México, mistério continua

    KIRK SEMPLE
    PAULINA VILLEGAS
    DO "NEW YORK TIMES", NA CIDADE DO MÉXICO

    27/09/2016 09h34

    Dois anos depois de 43 estudantes terem desaparecido durante uma noite de violência cometida em parte por forças de segurança, o mistério do que foi feito deles ainda não foi elucidado.

    Um comitê internacional de especialistas legais e em direitos humanos que passou um ano estudando o caso questionou a capacidade e disposição do governo mexicano de descobrir o que de fato ocorreu.

    Mas a impressão prevalecente no México e fora do país é que não se pode deixar a cargo do governo mexicano decifrar quem foi responsável pela violência cometida em Iguala, no Estado de Guerrero, na noite de 26 de setembro de 2014 e o que aconteceu com os estudantes, em sua maioria calouros. Muitos observadores condicionam suas esperanças de justiça à Comissão Interamericana sobre Direitos Humanos, sediada em Washington, que vai enviar uma equipe para acompanhar a investigação.

    Os pais dos desaparecidos e mortos, em sua maioria pessoas da classe trabalhadora, continuam a fazer pressão incansável por respostas. Durante esse processo eles foram e estão sendo acompanhados por dezenas de estudantes que sobreviveram àquela noite, mas ficaram marcados para sempre por ela. Abaixo, os casos de três deles.

    EDGAR ANDRÉS VARGAS

    Na quinta-feira Andrés, 21 anos, passou pela sexta cirurgia para reparar seu rosto. Durante os ataques em Iguala, ele foi atingido por uma bala que pulverizou seus dentes superiores e quebrou seu maxilar.

    Andrés fazia parte de um grupo de estudantes que responderam a ligações de calouros que estavam sendo atacados pela polícia municipal de Iguala, uma cidade vizinha, e estavam pedindo ajuda. Os estudantes mais jovens tinham ido a Iguala para requisitar ônibus para levá-los a uma manifestação na Cidade do México. Tratava-se de uma prática corriqueira em sua faculdade.

    Andrés e seus pares chegaram depois de os 43 estudantes terem desaparecido. Enquanto examinavam a cena do ataque, atiradores dispararam contra eles, atingindo Andrés. Apesar de seus ferimentos, ele foi ignorado pelos militares e até pelos médicos e enfermeiros de uma clínica local.

    Andrés está recebendo atendimento médico na Cidade do México, algo que está perturbando a rotina de toda sua família. O governo está cobrindo os custos médicos e cedeu temporariamente um apartamento para a família. Mesmo assim, seus pais gastaram todas suas economias para cobrir o custo de vida na capital, mais alto que no interior, e para compensar a perda de renda de sua mãe.

    A faculdade autorizou Andrés a concluir seus estudos este ano à distância, e ele se formou juntamente com sua turma. Andrés ainda espera poder trabalhar como professor primário, mas agora tem outra meta profissional adicional: tornar-se advogado.

    MANUEL VÁZQUEZ ARELLANO

    Vázquez conheceu a dor de perder pessoas quando ainda era criança. Ele cresceu em Tlacotepec, um pequeno povoado nas montanhas do Estado de Guerrero, conhecido por suas plantações de papoula e pela violência. Ele tinha 12 irmãos, cinco dos quais morreram na infância de doenças curáveis.

    Ainda menino, Vázquez trabalhava nos campos, colhendo as papoulas e retirando sua seiva, a matéria-prima da heroína. Quando tinha 7 anos, viu assassinos dispararem contra uma festa, matando uma pessoa e ferindo várias outras.

    Ele pensava que poderia escapar dessa vida através da escola normal. Tornou-se membro do comitê estudantil e mergulhou na cultura de ativismo político da escola.

    Na noite dos ataques em Iguala, Vázquez foi um dos estudantes mais velhos que correram para socorrer os estudantes mais jovens e acabaram virando alvos de disparos de agressores não identificados.

    Vázquez, que tem 28 anos hoje, conseguiu escapar ileso. Nas semanas e nos meses seguintes, enquanto os 43 estudantes desaparecidos passaram a simbolizar a profundidade da corrupção e incompetência do governo, Vázquez emergiu como o principal porta-voz da campanha por justiça.

    Ele percorreu o México, exortando a população a sair às ruas em protesto e criticando o modo como o governo lidou com investigação. Acabou levando a campanha para o exterior, para os Estados Unidos e a Europa. Esse trabalho lhe proporcionou um sentimento de estar fazendo algo que fazia sentido e ajudou a evitar que ele sentisse a culpa típica dos sobreviventes.

    ALDO GUTIÉRREZ SOLANO

    Gutiérrez está em coma desde que uma bala penetrou em seu cérebro na noite da violência. Ele estava em um dos ônibus roubados quando foi atacado pela polícia com disparos.

    Seus médicos e sua família medem sua recuperação, na medida em que existe, em sons involuntários e micromovimentos. De vez em quando suas pálpebras se abrem. Ele boceja. Apresenta um espasmo muscular. Os médicos consideram espantoso que ele tenha sobrevivido até agora, mas creem que suas chances de recuperar-se do coma são muito poucas.

    Seus pais e 13 irmãos, todos residentes em Guerrero, organizaram um revezamento para assegurar que pelo menos um deles esteja presente sempre ao seu lado no hospital. Eles alugaram um quartinho nas proximidades do hospital, onde descansam e tomam banho entre um "turno" e outro.

    Tradução de Clara Allain

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