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    Aleppo tem 100 mil crianças reféns da guerra e da escassez de alimentos

    RICK GLADSTONE
    DO "NEW YORK TIMES"

    29/09/2016 07h00

    Elas não podem brincar, dormir ou ir à escola, e, cada vez mais, não têm o que comer. Ferimentos ou doenças poderiam ser fatais.

    Muitas se aninham junto aos pais em abrigos sem janelas em porões –que não oferecem proteção alguma contra as poderosas armas que fizeram do leste de Aleppo uma zona de matança.

    Sultan Kitaz/Reuters
    Crianças são resgatadas dos escombros após bombardeio do regime a um bairro de Aleppo
    Crianças são resgatadas dos escombros após bombardeio do regime a um bairro de Aleppo

    Entre as cerca de 250 mil pessoas aprisionadas no reduto insurgente nessa cidade dividida do norte da Síria, há 100 mil crianças, as vítimas mais vulneráveis do bombardeio intensificado de parte das forças sírias e de seus aliados russos.

    Ainda que o mundo sofra choques periódicos com as notícias sobre o sofrimento das crianças no conflito da Síria – as fotos do corpo de Alan Kurdi, afogado, e do rosto ensanguentado de Omran Daqneesh servem como excelentes exemplos –, crianças mortas e traumatizadas são ocorrência cada vez mais comum.

    A rotina no leste de Aleppo, onde crianças em choque depois de ataques são retiradas dos entulhos e transportadas a hospitais nos quais esperam atendimento em padiolas sujas, com seus corpos ensanguentados se contorcendo de dor, é uma confluência entre a idade baixa da maioria da população síria, os fracassos da diplomacia e a realidade de uma guerra que parece estar piorando, depois de mais de cinco anos.

    "Eles estão aprisionados, não têm maneira de escapar", disse Alun McDonald, porta-voz da organização assistencial internacional Save the Children para suas operações no Oriente Médio. "Esse é um dos motivos para que estejamos vendo número tão grande de crianças entre as vítimas".

    As pessoas que vivem nas áreas rebeldes de Aleppo, cercadas, demonstraram alto poder de resistência, transferindo escolas e hospitais para os subsolos como proteção.

    A vida também continua, igualmente precária, na parte oeste da cidade, controlada pelo governo, onde, de acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, 49 crianças foram mortas pelo fogo dos morteiros rebeldes só em julho.

    Mas recentemente, na parte leste da cidade, disse McDonald, "o bombardeio se tornou tão intenso, e a potência das bombas usadas é tão grande, que nem mesmo os abrigos subterrâneos continuam seguros".

    A Save the Children informou que, em diversos hospitais e centrais de ambulâncias que ela apoia no leste de Aleppo, metade das vítimas atendidas são crianças, desde que os bombardeios se intensificaram depois do colapso de um cessar-fogo de curta duração na semana passada.

    Hanaa Singer, representante da Unicef, a agência de assistência às crianças das Nações Unidas, disse que o número exato de vítimas entre as crianças do leste de Aleppo ainda não foi determinado. Ainda assim, disse ela por telefone, de Damasco, "é claramente a pior situação que já vimos para as crianças".

    A proporção de crianças entre os habitantes cercados de Aleppo acompanha o perfil demográfico da Síria e outros países do Oriente Médio, onde existem grandes números de crianças e pessoas com menos de 25 anos de idade.

    Mas a proporção de crianças feridas ou mortas no leste de Aleppo parece mais alta do que vinha sendo o caso em outros conflitos recentes no Oriente Médio, de acordo com a Save the Children. No primeiro ano da guerra no Iêmen, por exemplo, cerca de 28% dos civis mortos eram crianças. Na guerra de Gaza em 2014, a ONU estima que 35% das vítimas fatais tenham sido crianças.

    ESCASSEZ

    As crianças nas partes sitiadas de Aleppo também enfrentam severa escassez de alimentos e remédios. As cirurgias e transfusões de sangue necessárias para tratar os ferimentos causados por bombas são, de acordo com muitos relatos, praticamente impossíveis, agora. Os profissionais de saúde são forçados a deixar que crianças morram no chão dos hospitais por falta de suprimentos.

    Ao contrário de outros cercos em menor escala a cidades sírias recalcitrantes, as forças do governo sírio e da Rússia começaram a lançar bombas de destruição de bunkers, extraordinariamente potentes e não muito precisas, capazes de obliterar abrigos subterrâneos, dizem moradores e trabalhadores de organizações assistenciais.

    Os moradores do leste de Aleppo também reportaram o uso de munições incendiárias de fragmentação – bombas que contêm centenas de pequenas submunições explosivas que detonam e causam incêndios em uma área ampla, causando conflagrações em todo um bairro.

    Hannah Stoddart, diretora de comunicações e assistência da War Child, uma organização assistencial sediada em Londres, disse que o governo Assad violou as leis internacionais ao tomar por alvo "áreas residenciais, escolas e hospitais, nos quais a probabilidade de que crianças sejam atingidas é muito maior".

    "Além disso, o acesso à assistência está sendo bloqueado", ela afirmou em comunicado. "Assim, se as crianças não forem mortas ou feridas, correm o risco de morrer de fome."

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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