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    Plebiscito de paz na Colômbia terá efeitos sobre a política e a economia

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A MEDELLÍN

    01/10/2016 23h50

    Trinta e três milhões de colombianos são chamados a votar neste domingo (2) entre as opções "sim" e "não", no plebiscito que define a aprovação ou a rejeição do acordo de paz a que chegaram, após quatro anos de negociações em Havana, o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

    A grande pergunta que se faz dos dois lados da campanha é: quantos destes eleitores efetivamente comparecerão aos postos de votação?

    Na Colômbia, o voto não é obrigatório, e as últimas eleições têm tido índices elevados de abstenção. Para o plebiscito, os principais institutos de pesquisa apontam para uma abstenção que pode variar entre 40% a 50%.

    "Ninguém da minha família vai votar", diz à Folha Alberto Esneider, 22, habitante do subúrbio de Santo Domingo Savio, em Medellín. Num passeio rápido por essa imensa favela, que nos anos 80-90 era dominada pelo Cartel de Medellín, a reportagem ouviu mais votos de "não" do que de "sim", mas o que predominou mesmo foi a abstenção.

    As pesquisas indicam que o "sim" sairia vencedor em grandes cidades e entre cidadãos melhor informados, o que incluiria Bogotá e Barranquilla. Já Medellín destoa um pouco, por ser de tradição mais conservadora, por ter vivido anos sangrentos durante o período de Pablo Escobar (1949-1993) e pelo fato de Antioquia (o Departamento da qual é capital) ser o reduto eleitoral de Álvaro Uribe, principal opositor do acordo de paz e rival político do presidente Juan Manuel Santos.

    "Medellín é muito variada também. Creio que quem viveu os anos do narcoterror, os mais velhos, tendem mais a votar pelo 'não', porque querem ver os delinquentes presos. Mas não os mais jovens, que viram Medellín florescer nos últimos anos devido à paz, e que vão votar 'sim' porque isso representará mais oportunidades", diz a livreira Luz María, 46, do bairro de classe média de El Poblado.

    PESQUISAS

    A mais recente pesquisa, do instituto Datexco, divulgada no começo da semana, aponta para o "sim" à frente com 55%, e o "não" com 36,6%. De acordo com a regra desta votação, porém, para que o "sim" vença, é necessário que atinja o patamar de 13% do eleitorado total da Colômbia. Ou seja, que seja obtenha 4,5 milhões de votos.

    "É difícil saber quantas pessoas comparecerão, por isso que o nível de abstenção jogará um papel importante no resultado", diz o consultor Cesar Caballero. Seu instituto de pesquisa, o Cifras & Conceptos, dá um número ainda mais baixo para a presença dos eleitores, de apenas 37%.

    SE GANHA O SIM

    O governo colombiano espera que o "sim" traga benefícios além do silenciamento dos fuzis. De acordo com os cálculos da equipe econômica de Santos, o país poderá crescer entre 2 a 3 pontos percentuais a mais do que o normal a partir de 2017.

    A estratégia é vender a imagem de um país pacificado que traga mais investimentos estrangeiros.

    O turismo também vem sendo visto como fonte de novos recursos, uma vez que destinos antes proibidos de serem visitados devido à presença da guerrilha, como Caños Cristales (um rio colorido no Departamento de Meta), ou lugares na região amazônica, poderão ser incorporados aos roteiros de viagens tradicionais.

    "O principal será que o 'sim' permitirá que enormes recursos antes gastos com a guerra agora sejam destinados a problemas que realmente interessam, a saúde, a educação e o futuro dos jovens", diz à Folha Rebeca Grynspan, secretária-geral Iberoamericana, presente à assinatura da paz em Cartagena.

    A vitória do "sim", porém, também representará um novo desafio, o de buscar fundos para as reformas necessárias. Só para desminar o território, Santos conseguiu uma ajuda exterior de US$ 87 milhões. Porém, serão necessários outros US$ 210 milhões. Também é preciso dinheiro para reconstruir a infraestrutura destruída pela guerra e implementar a reforma agrária que consta do documento.

    Santos afirma que o crescimento do PIB permitirá esses gastos sem ter de aumentar impostos. A oposição, porém, insiste que o governo deve fazer com que as Farc paguem parte da reconstrução do país.

    Se de fato sair vitorioso, Santos recuperará algo de popularidade (que anda em torno dos 20%) e seu partido (Unidade Nacional) arrancará como favorito para as presidenciais de 2018. Entre os mais cotados para sucede-lo (o presidente já não pode concorrer a mais um mandato) estão seu vice, Germán Vargas Lleras, e o senador Roy Barreras.

    SE O NÃO GANHA

    Se a alternativa do "não" for vitoriosa, as Farc não pretendem seguir na mesa de negociações, como afirmaram seus líderes após a Décima Conferência, realizada há duas semanas. O mais provável, portanto, é que a guerrilha retorne aos montes e selvas.

    "O que ocorre quando se rompem acordos assim é uma polarização dos dois lados, o Exército vai querer demonstrar poder, e a guerrilha também", diz o negociador Frank Pearl. "Teríamos a guerra novamente."

    Em entrevista à Folha na última segunda (26), o ex-presidente Álvaro Uribe diz que é possível manter as Farc sob controle caso ganhe o "não". "Nossa proposta é que ofereçamos proteção aos guerrilheiros até que possamos corrigir o que não está bem neste acordo."

    Segundo as pesquisas, os que votam "não" dizem discordar mais dos pontos da Justiça, que oferecerá anistias, da participação política e da remuneração aos guerrilheiros.

    O líder das Farc, Rodrigo "Timochenko" Londoño, porém, disse que esses itens são inegociáveis, principalmente o da participação política. "Deixamos as armas porque queremos seguir lutando por outras vias", declarou em seu discurso.

    Como não teriam assegurados o sálário prometido no acordo, o mais provável é que os guerrilheiros voltassem à prática da extorsão, ao narcotráfico e à mineração ilegal, que provinha seu sustento.

    Para o economista Armando Montenegro, a economia sofreria um "efeito Brexit", ou seja, "se encolheria diante do novo contexto de instabilidade, e voltaríamos a um cenário de isolamento na região e para o mundo".

    O discurso uribista, porém, se fortaleceria, e tornaria provável a eleição de algum dos quadros de seu partido (Centro Democrático) em 2018. Os nomes que despontam são os do ex-candidato Óscar Iván Zuluaga e o do senador Ivan Duque.

    FARC NA POLÍTICA

    Sem uma das pernas, perdida nos anos de luta armada, o senador Antonio Navarro Wolff, 68, diz à Folha que os que defendem o "não" estão exagerando em "pintar tantos malefícios da entrada de ex-guerrilheiros na política".

    Isso porque, segundo o ex-integrante do M-19, "disputar uma eleição é duríssimo. Mesmo que tenham asseguradas essas dez vagas no Congresso na próxima legislatura, vão ter de construir uma proposta mais sólida para estruturar-se como um partido realmente com voz".

    O M-19 chegou a ser uma das guerrilhas mais letais do país, especialmente nos anos 1980, quando protagonizou a tomada do Palácio da Justiça, no qual morreram 53 pessoas, incluindo vários magistrados da Corte Suprema.

    Após sua desmobilização, porém, o M-19 primeiro virou um partido, a Aliança Democrática. Depois, seus principais integrantes espalharam-se por outras agrupações de esquerda e centro-esquerda. Além de Navarro Wolf, que foi prefeito de Pasto e governador do Departamento de Nariño, outro ex-M-19, Gustavo Petro, foi senador e prefeito de Bogotá.

    "Se eu tivesse de dar um conselho às Farc agora seria que não planejassem voos muito altos. O primeiro foco deveria ser as eleições de 2019, de prefeitos e governadores, para tentar ganhar o voto da população de onde vieram e onde têm boa relação com a comunidade", diz.

    Já ao governo, a orientação é de que cuide da educação dos ex-guerrilheiros jovens. "Nós fizemos isso, ficamos de olho e cobramos que fossem estudar, muitos fizeram faculdade, viraram médicos e advogados. Mas isso não ocorre sem a ajuda do Estado."

    Para Wolff, o voto no "sim" é a decisão correta. "Nós demos o exemplo, ao desmobilizar-nos nos anos 1990, de que é possível mudar o modo de lutar por suas ideias. As Farc tomaram a decisão correta, na hora correta."

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