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    Análise

    Depois do plebiscito na Colômbia, a paz perdeu, e a guerra também

    CLÓVIS ROSSI
    COLUNISTA DA FOLHA

    03/10/2016 12h43

    A paz pode ter sido derrotada no plebiscito deste domingo (2) na Colômbia, mas, paradoxalmente, a guerra tampouco ganhou.

    Não há retorno possível às armas, exceto para dissidentes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que, de todo modo, não as deixariam, e para o ELN (Exército de Libertação Nacional).

    Depois de prometer, mesmo após o resultado do plebiscito, que a única arma das Farc, doravante, será a palavra, em vez das armas; depois de pedir perdão aos colombianos pelas atrocidades cometidas; depois de festejar, à la Woodstock, o fim das hostilidades —depois de tudo isso, não há como a guerrilha retornar ao monte e recomeçar os combates.

    Até porque o plebiscito explicitou o que já se intuía antes: a grande maioria dos colombianos rejeita os métodos das Farc e rejeita também o programa do grupo, rebatizado agora para social-democrata, depois de ter sido claramente marxista nos seus primórdios.

    Do lado do Estado colombiano, o presidente Juan Manuel Santos promete manter o cessar fogo vigente nos meses finais da negociação —o que, aliás, levou a uma formidável redução no número de vítimas, o grande dividendo que a paz traria.

    Nem mesmo Álvaro Uribe, o ex-presidente que foi o único líder político a se levantar contra o acordo, fala agora em voltar à guerra.

    É natural esse comedimento de última hora em um dirigente naturalmente belicoso: o fato é que Uribe ganhou não só a votação, numericamente, mas também conceitualmente.

    Ou, posto de outra forma, demonstrou que a alternativa ao acordo não era voltar à guerra, ao contrário do que diziam as Farc e o presidente Santos, mas renegociar os termos do acordo nos pontos em que se supõe que este emperrou: a chamada justiça transicional, que prevê punições brandas para os guerrilheiros que admitirem crimes, e o da participação política das Farc, que inicialmente ganham, sem competir, cinco vagas com voz mas sem voto, no Congresso.

    Rodrigo Londoño Echeverri, o "Timochenko", líder das Farc, já insinuou que o grupo pode, eventualmente, renegociar os termos do acordo, o que era antes tido como absolutamente inaceitável.

    É claro que o resultado de domingo é um tremendo salto no escuro, entre outras razões porque debilita ao extremo o presidente Santos. E, no presidencialismo exacerbado que é a característica da América Latina, um presidente enfraquecido não consegue governar (vide Dilma Rousseff, para ficar em apenas um exemplo).

    Do lado das Farc, há um problema concreto: do que vão viver agora seus integrantes, que, se o acordo tivesse sido aprovado, teriam direito a uma espécie de mesada do Estado?

    O excelente sítio "La Silla Vacía" (francamente pró-acordo, diga-se) já antecipa um cenário fúnebre, mesmo que se mantenha a trégua anunciada por Santos: "Dado que o Estado não conta com os recursos para manter as Farc durante essa possível trégua, é muito provável que a guerrilha volte à extorsão, ao narcotráfico e à mineração ilegal para financiar suas estruturas".

    Consequência lógica, para "Silla Vacía": "Ante esta nova realidade, a força pública deverá actuar contra elas, e é muito provável que estes enfrentamentos resultarão em tragédias que radicalizem a postura das duas partes".

    O que eventualmente poderia desarmar essa bomba-relógio seria a convocação de uma Assembléia Constituinte —hipótese aventada no pós-plebiscito por vários analistas—, o que permitiria repactuar tudo —inclusive e principalmente, claro, o acordo de paz.

    Não é fácil, mas a guerra não é uma alternativa.

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