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    Com escolha de ex-chefe do Acnur, refugiados pautarão temas globais

    MATHIAS ALENCASTRO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    06/10/2016 02h00

    António Guterres chega à cúpula do sistema internacional com a reputação de ser um quadro mais político do que administrador.

    Nas suas atividades como primeiro ministro de Portugal de 1995 a 2002 e alto-comissário da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) entre 2005 e 2015, Guterres se destacou por sua facilidade de relacionamento com chefes de Estado e sua antipatia às questões burocráticas.

    Seu perfil foge do padrão idealizado pela ONU quando foi lançada a seleção do sucessor de Ban Ki-moon, atual secretário-geral. A crise política e militar da Ucrânia frustrou a emergência de candidaturas dos países do Leste Europeu, tidos como favoritos na ONU. Pesou a favor de Guterres o fato de ser originário de Portugal, país com boas relações na África e na América Latina, próximo ao mundo anglo-saxônico e ao mesmo tempo membro da UE.

    Mas foi sem dúvida a explosão de refugiados que desempenhou um papel fundamental na escolha de Guterres. Cerca de 65 milhões de pessoas se encontram deslocadas dentro e fora dos seus países de origem, um recorde histórico. Sobrecarregado pela crise, o Acnur não possui poderes para fazer cumprir a Convenção de 1951 sobre refugiados e obter os recursos necessários para soluções sustentáveis.

    Nesse contexto, a escolha de Guterres deve ser entendida como a promoção de um alto-comissário do Acnur ao posto de secretário-geral da ONU. Os refugiados serão tratados como o fio condutor de todos os conflitos globais, da luta contra o terrorismo às guerras civis que assolam o Oriente Médio e África.

    Restaurar a autoridade política e moral da ONU será outro desafio de Guterres. O secretariado-geral tem sido alvo de críticas por sua passividade frente à relutância dos membros do Conselho de Segurança em encontrar soluções para os conflitos da Síria e do Iêmen.

    O escândalo dos estupros cometidos por soldados da ONU na República Centro-Africana e o silêncio da organização durante os massacres que marcaram o fim da guerra civil do Sri Lanka em 2009 mancharam sua reputação.

    Os principais legados de Ban Ki-moon, a ampliação dos direitos da mulher e o combate ao aquecimento global, serão mantidos, mas pouco aprofundados.

    Católico praticante, Guterres declarou ser pessoalmente contra o aborto quando o seu governo convocou um referendo sobre a sua legalização em Portugal. Depois da assinatura do Acordo de Paris no ano passado, ele verá as negociações sobre o clima se deslocarem do nível internacional para o nacional.

    Bandeira da gestão anterior, a questão climática sugere que a ONU, sob o comando de Ban Ki-moon, passou a priorizar o importante ao invés do urgente.

    Protagonista da crise de refugiados, espera-se de Guterres, homem de terreno e não de escritório, que priorize o urgente ao invés do importante.

    MATHIAS ALENCASTRO é doutor em ciência política na Universidade de Oxford e mestre em história na Universidade Sorbonne Paris-IV

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