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    Com derretimento de geleiras, navios começam a levar turistas ao Ártico

    GWLADYS FOUCHE
    DA REUTERS, EM SVALBARD (NORUEGA)

    10/10/2016 12h00

    Uma alta do turismo na região do Mar Ártico está levando navios de cruzeiro cada vez maiores à região, no passado inacessível e isolada pelo gelo, e isso vem gerando apelos por restrições, com o objetivo de impedir acidentes como o do Titanic e a poluição de ecossistemas frágeis.

    Os países da região ártica deveriam considerar limitações ao tamanho dos navios autorizados a navegar por lá, e proibir o uso de combustível pesado na região, disseram organizações do setor depois que o primeiro navio de cruzeiro de luxo navegou pela Passagem do Noroeste, em águas canadenses, nos últimos meses.

    Gwladys Fouche-21.set.2016/Reuters
    A tourist cruise ship is docked at the port of a research town Ny-Aalesund in the Arctic archipelago of Svalbard, Norway, September 21, 2016. Picture taken September 21, 2016. REUTERS/Gwladys Fouche ORG XMIT: INK101
    Cruzeiro ancorado no arquipélago de Svalbard, na Noruega

    A rota, que conecta os oceanos Atlântico e Pacífico via Ártico, no passado era bloqueada por icebergs, mas agora não é mais restrita pelo gelo nos meses de verão do hemisfério norte, devido ao aquecimento global.

    Com preço mínimo de US$ 19.755 (R$ 63.400 mil) por passagem, os 1,7 mil passageiros e tripulantes do Crystal Serenity seguiram —em sentido oposto— a rota navegada inicialmente mais de um século atrás pelo explorador norueguês Roald Amundsen. Eles partiram de Anchorage, no Alasca, em 15 de agosto, e ancoraram em Nova York em 16 de setembro. A operadora do navio, a Crystal Cruises, afirma em seu site que a viagem será repetida em 2017. A empresa foi contatada pela Reuters mas se recusou a comentar sobre o assunto.

    Dois executivos do setor de navegação expressaram preocupação quanto à possibilidade de que a viagem, realizada em caráter extraordinário, se torne tendência, mencionando preocupações de segurança, riscos para o meio ambiente e o impacto sobre pequenas comunidades, em uma área em que não existe porto nas águas que separam Anchorage e Nuuk, na Groenlândia;

    "A passagem do Noroeste tem milhares e milhares de milhas náuticas onde não há coisa alguma... Temos a necessidade de discutir uma possível regulamentação", disse Tero Vauraste, o presidente-executivo da Arctia, uma empresa de navegação finlandesa cuja especialidade é a operação de quebra-gelos.

    Caso um navio enfrente problemas nas águas da Passagem do Noroeste, haveria pouco que as autoridades pudessem fazer devido à falta de infraestrutura, ele disse.

    "Por isso, devemos fazer o que pudermos para impedir que isso aconteça", disse Vauraste, que também é vice-presidente do Conselho Econômico do Ártico, um fórum regional para a cooperação econômica entre as nações árticas.

    A navegação nas águas gélidas é tornada ainda mais difícil pela baixa qualidade das imagens disponíveis nos sistemas de navegação via satélite. "Um campo de gelo pode se mover em velocidade de quatro a cinco nós (de sete a 10 quilômetros por hora), e as imagens recebidas por um navio terão sido obtidas 10 ou 20 horas antes", disse Vauraste. "Precisamos de imagens de maior qualidade".

    ÓLEO COMBUSTÍVEL PESADO

    Outra preocupação é ambiental. "Potencialmente, um acidente envolvendo um navio de porte muito grande seria um desastre ambiental", disse Daniel Skjeldam, presidente-executivo da Hurtigruten, uma operadora de navios de cruzeiro nos oceanos Ártico e Antártico, cujos maiores navios são capazes de acomodar 646 passageiros.

    Os navios de cruzeiro em geral usam óleo combustível pesado, um tipo de combustível que leva mais tempo a se dissolver em caso de derramamento. O Crystal Serenity não usou óleo combustível pesado em seu cruzeiro pela região, segundo a operadora do navio.

    Gwladys Fouche-20.set.2016/Reuters
    Visitors take pictures of a glacier in the Kongsfjorden fjord from onboard the Polarsyssel, the ship of the Governor of Svalbard, in the Arctic archipelago of Svalbard, Norway, September 20, 2016. Picture taken September 20, 2016. REUTERS/Gwladys Fouche ORG XMIT: INK104
    Turistas em cruzeiro fotografam geleiras no arquipélago de Svalbard, na Noruega

    "O óleo combustível pesado é viscoso, em condições de frio, e demora muito mais tempo a se dissolver, o que significa que tem efeito prolongado sobre o meio ambiente", disse Marco Lambertini, diretor geral da organização conservacionista WWF (World Wildlife Fund International).

    "Se alguma coisa acontecer no início do inverno, não haveria como realizar operações de limpeza. O óleo combustível pode ficar aprisionado sob o gelo e percorrer centenas de quilômetros", ele disse à Reuters.

    As Nações Unidas colocarão em vigor o seu Código Polar, em 2017, endurecendo as exigências quanto à segurança da navegação e o controle de poluição. O código proíbe o uso de óleo combustível pesado no Oceano Antártico, por exemplo, mas simplesmente encoraja os navios a não usá-lo, no Ártico.

    "Meu apelo é por regulamentação mais forte e coordenada da parte das nações do Ártico", disse Skjeldam, da Hurtigruten, à Reuters. Ele sugeriu que o tamanho dos navios seja limitado, sem especificar o critério que deveria ser usado; que o uso de óleo combustível pesado seja banido; e que as companhias de navegação deveriam se esforçar para restringir suas emissões, por exemplo com o uso de propulsores híbridos.

    Vauraste disse que uma atualização do Código Polar, tratando de algumas dessas questões, deveria estar na agenda do Conselho Econômico do Ártico.

    O impacto dos meganavios sobre as pequenas comunidades da região ártica também está se tornando causa de preocupação.

    Svalbard —um arquipélago a meio do caminho entre o ponto mais setentrional da Europa e o Polo Norte— está passando por um boom de turismo, com o número de visitas de mais de um dia de duração subindo em 14% nos 12 meses até julho deste ano, ante o período de 12 meses anterior, chegando a 18 mil pessoas.

    "Fico em casa quando os navios de cruzeiro cheios de turistas chegam. Gente demais ao mesmo tempo. Isso causa estresse", disse Fredric Froeberg, 37, um guia sueco que organiza excursões com motos para a neve e barcos na cidadezinha de Longyearbyen, o principal assentamento em Svalbard, que tem cerca de 2.160 habitantes.

    "Este lugar não pode se tornar grande demais. De outra forma, haveria exploração excessiva, como em tantas outras partes do planeta. O fantástico aqui é a natureza", ele disse.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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