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    Rússia emprega uma nova arma em seu arsenal, e ela é inflável

    ANDREW E. KRAMER
    DO 'NEW YORK TIMES'

    13/10/2016 07h00

    Em um campo nas cercanias de Moscou trabalhadores armados com pouco mais que tecido verde e compressores de ar estão criando uma arma imponente.

    Um esguio caça a jato MIG-31, cinza escuro, subitamente aparece, com suas asas curtas e fortes se estendendo para revelar a característica insígnia da estrela vermelha. É um chamariz, mas visto a 300 metros de distância parece muito real.

    O truque é mais uma cartada no arsenal de disfarces e trapaças das forças armadas russas, uma doutrina de guerra psicológica conhecida como "maskirovka", que tem papel cada vez mais importante para as ambições geopolíticas do país.

    "Se você estudar as grandes batalhas da história, perceberá que o uso de trapaças sempre vence", disse Alexey Komarov, o engenheiro militar encarregado dessa forma de ilusão visual, com um sorriso astuto. "Ninguém vence jogando limpo."

    Komarov supervisiona a venda de armas na Rusbal, ou Balões Russos, uma empresa que fabrica balões de ar quente mas também fornece ao Ministério da Defesa da Rússia uma das ameaças militares menos conhecidas que o país emprega: um crescente arsenal de tanques, jatos e lançadores de mísseis infláveis.

    Enquanto a Rússia, sob o comando do presidente Vladimir Putin, abre caminho para seu retorno ao cenário geopolítico, o Kremlin vem empregando uma série de táticas escusas: silenciar inimigos no exterior, conquistar a adesão da Igreja Ortodoxa à sua contrarrevolução conservadora, difundir falsas informações para as audiências da Europa e até, de acordo com o governo Obama, interferindo na eleição presidencial dos Estados Unidos por meio de ataques de hackers a computadores do Partido Democrata.

    A ideia por trás da "maskirovka" é manter o inimigo na incerteza, jamais admitir as verdadeiras intenções e usar todos os meios, tanto políticos quanto militares, para conferir aos soldados do país a vantagem da surpresa.

    A doutrina, dizem analistas militares, opera, assim, em múltiplos níveis. Ela não acata distinções entre disfarçar um soldado de arbusto ou árvore, pelo uso de uniformes camuflados, o que representa uma espécie de mentira, e desinformação política em alto nível e o uso de formas astuciosamente evasivas de comunicação.

    A "maskirovka" vai bem além da simples camuflagem, usada por todos os exércitos, e abarca uma gama de ideias sobre desinformação e sobre desviar a atenção do adversário, e continua tão útil hoje quanto vem sendo há décadas. Os mapas da era soviética, por exemplo, muitas vezes continham imprecisões que frustravam os motoristas, mas serviam a um propósito de segurança nacional: se obtidos por um espião, eles confundiriam um exército invasor ao mostrar estradas aparentemente úteis que na verdade conduziam a um pântano.

    De fato, praticamente todos os grandes movimentos de tropas russos e soviéticos dos últimos 50 anos, da Primavera de Praga ao Afeganistão, Tchetchênia e Ucrânia, começaram por um truque simples e efetivo: soldados chegando ao local de combate à paisana. Em 1968, por exemplo, um voo da Aeroflot, a companhia estatal de aviação soviética, transportando número desproporcional de homens jovens e saudáveis, que subsequentemente capturaram o aeroporto.

    Em 1983, soldados soviéticos disfarçados de turistas viajaram à Síria, em uma manobra que ficou conhecida como "camarada turista". A aparência de misteriosos soldados usando uniformes camuflados em Cabul, no Afeganistão, e Grozny, na Tchetchênia, serviu como presságio ao envio de muito mais tropas, em 1979 e 1994.

    Os especialistas temem que o próximo teatro para essas táticas possa ser a região báltica, que abriga significativas minorias étnicas russas, bem como uma grande base militar da Rússia em Kaliningrado.

    Um entusiasta dos balões de ar quente criou a Rusbal em 1993, e mais tarde diversificou suas atividades para a produção de atrações infláveis para as crianças, produzindo castelinhos infláveis elásticos.

    "No começo havia muito ceticismo", diz Maria Oparina, diretora da Rusbal e filha de seu fundador, em entrevista em um café de Moscou.

    Mas as demonstrações impressionaram os generais.

    A companhia não revela quantos tanques infláveis já produziu, porque os números são sigilosos, mas Oparina disse que a produção cresceu muito nos últimos 12 meses. O contrato representa apenas uma pequena porção do programa de rearmamento de US$ 660 bilhões que a Rússia iniciou em 2010. A fábrica agora emprega 80 trabalhadores em tempo integral, a maioria deles costurando armas infláveis, em sua divisão militar.

    "Na guerra, não existem acordos de cavalheiros", disse Oparina. "O cavalheirismo não existe mais. Ninguém usa uniformes vermelhos. Ninguém fica em pé esperando para levar um tiro. É você ou eu, e quem tiver os melhores truques sobrevive."

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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